Trate as emissões como recursos

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Bolhas de Gás Carbônico em refrigerantes. © Spiff

Uma onda de acontecimentos recentes inviabilizou os esquemas de transação de créditos de carbono e os impostos sobre emissões da União Europeia. A China isentou suas companhias aéreas do pagamento das taxas de carbono europeias, as nações reunidas em Durban não conseguiram chegar a acordos significativos sobre as emissões, e o Canadá saiu do acordo de Kyoto, martelando assim o último prego em seu caixão. A questão que surge dessa série de fracassos é: como resolver o encontro entre o objeto irremovível das emissões com a força irresistível do crescimento econômico?

Bolhas de Gás Carbônico em refrigerantes. © Spiff

A resposta é enxergar as emissões como recursos ao invés de problemas.

Surpreendentemente, essa não é uma solução nova. Por exemplo, agricultores de vários países têm usado emissões de CO2 como nutrientes em suas estufas por vários anos, inclusive produzindo industrialmente esse insumo. Pode-se dizer que eles estão gerando lucro transformando gases de efeito estufa em verdadeiros gases de estufa. O respeitado instituto Alemão Fraunhofer calculou recentemente que até 80% das emissões de carbono da indústria alemã poderia ser capturada e reutilizada por estufas produzindo alimentos no topo de edifícios. O Instituto desenvolve uma iniciativa conjunta com a organização norte-americana Brightfarms para instalar estufas que capturem CO2 no ambiente urbano, e estão construindo suas próprias instalações em Duisburg.

A mensagem por trás desse cálculo surpreendente de captura de carbono é clara, especialmente no contexto de um histórico comercialmente bem-sucedido de reuso. Ao invés de depender de um mercado de créditos pouco efetivo, ou tentar apenas minimizar as emissões de gases de efeito estufa, a forma efetiva de atingir as metas de emissões é maximizar seu reuso como recurso industrial.

A lição foi percebida também na esfera educacional. A organização New York Sunworks vem trabalhando para instalar estufas de telhado em escolas como instrumento de aprendizado nas aulas de ciência. Na Holanda, o projeto piloto happyhealthschool.com está construindo uma estufa de telhado para usar a poluição de CO2 das salas de aula como nutriente para plantas.

Por que o reuso de gás carbônico é uma abordagem superior ao comércio de licenças de emissão?

Muitos especialistas já descreveram a futilidade do comércio de licenças de emissão, mas um pequeno resumo pode ser instrutivo. O comércio de emissões está sujeito a um grande potencial de abusos, com governos que podem imprimir certificados da mesma forma que seus bancos centrais imprimem papel moeda/dinheiro para adiar seus problemas. Esperar que as energias renováveis superem os combustíveis fósseis também não traz soluções de curto prazo. Quando os renováveis dominarem o mercado já será tarde demais para bilhões de pessoas cuja saúde está se deteriorando graças à baixa qualidade do ar causada pelas emissões, gerando um grave desgaste financeiro nos serviços de assistência médica e saúde pública.

A abordagem ecológica tradicional de “eco-eficiência”, que vem sendo adotada pela Europa e Estados Unidos, também não vai funcionar. Quando os processos industriais se tornam mais eco-eficientes, eles também ficam mais baratos, e assim seu crescimento excede os ganhos alcançados pela minimização.

© Quistnix

Costuma-se referir a esse fenômeno através do qual medidas eco-eficientes geram consumo acelerado como um “efeito bumerangue”, no qual a eficiência acelera o próprio problema que pretendia resolver. Cientistas têm discutido por algum tempo sobre como compensar o efeito bumerangue, mas enquanto a discussão se desenrola as emissões continuam se acumulando.

Uma das poucas saídas efetivas para esse círculo vicioso é aplicar o efeito bumerangue ao reuso de CO2. Isso pode alcançado utilizando a eficiência no consumo de grandes quantidades de CO2 na produção industrial.

Traduzindo em termos simples: o CO2 é um alimento. Seu uso pode ser acelerado como recurso para muitos processos industriais e agrícolas.

Dessa forma a eco-eficiência é transformada em eco-efetividade acelerando-se o reuso de recursos.

Essa abordagem aparentemente pouco intuitiva funciona da seguinte maneira:

A Natureza vem reutilizando CO2 desde o início dos tempos, para reconstruir o solo, criar florestas e alimentar a vida em nossos lagos e oceanos. Através da biomimética é possível que adaptemos e aceleremos esse processo de forma lucrativa.

Essa transformação básica de abordagem e psicologia leva a soluções e investimentos mais produtivos.

Exemplos de biomimética para o reuso de gases de efeito estufa incluem:

• As algas são um dos mais efetivos sumidouros de carbono da Terra se o lado de emissão de carbono de seu ciclo for adaptado para o reuso industrial. A produção de algas em larga escala é viável e lucrativa quando elas são capturadas e reutilizadas em produtos antes de emitirem o carbono de volta à atmosfera. As algas podem ser utilizadas lucrativamente com a função dupla de matéria-prima e purificadores de efluentes industriais. Essa combinação as torna atrativas financeiramente. A empresa Hydromentia, baseada na Florida, EUA, vem empregando algas para limpas efluentes por mais de duas décadas. As algas marinhas têm sido colhidas e utilizadas por séculos, e essa tecnologia vem sendo otimizada para também remover a poluição de nutriente dos corpos fluviais. A produção de algas tem sido foco de investimentos corporativos por todo o mundo, e companhias aéreas como a Virgin provaram que elas também servem como matéria-prima para biocombustíveis, enquanto indústrias farmacêuticas e agrícolas se alinham para gerar produtos rentáveis a partir desse material.

• As microalgas têm uma característica interessante: elas podem armazenar ácidos graxos representando até 50% de seu peso quando secas, e apresentam produtividade 30 vezes maior que as culturas terrestres (soja, colza..). Elas não precisam de aditivos químicos, e podem ser usadas em processos de purificação, servindo como filtros para eliminar elementos tóxicos de águas contaminadas. Na Nova Zelândia, a empresa Aquaflow usou o lago de esgoto Marlborough para conduzir testes, demonstrando que muitas indústrias poderiam produzir micro-algas valiosas ao mesmo tempo que purificam seus efluentes, já que esses organismos consomem CO2 diretamente. (1)

• A agricultura de estufa traz uma promessa luminosa para alimentar nossa população crescente a partir de sua alta produtividade. Estudo demonstram que o cultivo em estufas pode ser de 5 a 10 vezes mais produtivo que a agricultura em campo aberto. O reuso de CO2 como nutriente para plantas pode ser amplamente expandido, com o beneficio adicional de purificar o ar.

• A Biodigestão para reuso de metano e nutrientes já vem crescendo de forma lucrativa, ao invés da prática contraproducente de subsidiar a queima de madeira crua como energia “verde” – que de verde não tem nada.
• Outra abordagem menos conhecida é a substituição do uso de recursos raros como metais por materiais nano-estruturados com base de carbono. Essas não são as nano-partículas que vêm sendo criticadas por seus riscos potenciais à saúde, mas estruturas de carbono tão estáveis quanto o aço ou o vidro.

Microalgas se alimentam de CO2 e apresentam produtividade 30 vezes maior que culturas terrestres (soja, colza…) © J.Blériot

Os céticos argumentam que o reuso de CO2 não consegue acompanhar a produção maciça de CO2 em nossa sociedade. Contudo, o estudo do Instituto Fraunhofer mencionado anteriormente questiona essa premissa, e a rápida expansão dessas tecnologias vem provando que o reuso de CO2 em larga escala é viável.

Não há dúvidas de que reduzir as emissões com energia renovável e métodos como redes de energia inteligentes são parte da solução. Mas a parte que falta a essa equação é começar a tratar as emissões como recurso para processos industriais e agroindustriais.

A indústria de combustíveis fósseis empregou uma abordagem que vai até a metade do caminho nesse sentido, capturando CO2 para enterrá-lo na terra, usando recursos públicos para isso. Conhecida como Captura e Armazenamento de Carbono (CCS – Carbon Capture and Storage), ela depende de dinheiro do contribuinte porque nenhum negócio inteligente enterraria uma commodity valiosa no chão de forma tão improdutiva.

A CCS também não soluciona outros aspectos tóxicos da produção e uso de combustíveis fósseis. Os argumentos dos dois lados do debate em torno da CCS já estão bem estabelecidos, e não precisamos revisitá-los aqui. A coisa mais importante é transformar a CCS em CCR: Carbon Capture Reuse, ou Captura e Reuso de Carbono. Somente através do reuso industrial em grande escala das emissões enquanto recursos pode-se gerenciar o desafio das emissões.

(1) parágrafo adicionado pela Fundação Ellen MacArthur.

Sobre os autores:
Prof. Dr. Michael Braungart é fundador do paradigma de design de berço a berço, e co-autor do livro Cradle to Cradle. Ele é docente da Cátedra Cradle to Cradle para Inovação e Qualidade da Faculdade de Gestão Rotterdam da Universidade Erasmus, na Holanda.
Douglas Mulhall é autor do livro Nosso Futuro Molecular e co-autor dos Critérios Cradle to Cradle para o Ambiente Construído.

Traduzido por Carla Tennenbaum.
Publicado originalmente em 28 de fevereiro de 2012 pela Fundação Ellen MacArthur.
Leia o texto original em inglês
Autoria: Michael Braungart e Douglas Mulhall

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