O que são embalagens para a economia circular?
Na economia circular a gente quer eliminar o conceito de lixo. Para isso, os materiais são nutrientes que devem ser desenhados para os próximos ciclos.
E, quando falamos de embalagens para a economia circular, as possibilidades de soluções para manter as embalagens e os seus materiais circulando são bem diversas. Podemos, por exemplo, pensar em soluções para embalagens circulares que não geram nenhum tipo de resíduo, ou que usam matérias-primas feitas a partir de resíduos de outros processos, que preveem sistemas de reuso, ou ainda que permitem a reinserção dos materiais em cadeias industriais.
O que vai funcionar melhor varia muito de caso a caso – dependendo do produto, do mercado, da região, dos materiais e infraestrutura disponíveis. E varia também de acordo com a intenção do projeto com relação à sua toxicidade, qualidade, funcionalidade e circularidade.
Podemos dizer que, de forma geral, embalagens servem para armazenar e transportar os produtos com segurança e, ao mesmo tempo, manter suas qualidades originais. Elas existem em função do conteúdo que carregam, mas também são feitas de materiais que têm valor dentro dos seus sistemas.
Ao desenvolver uma embalagem, é importante você se perguntar por que a está criando, e – se esse for o seu caso – pergunte-se por que você está usando materiais que são “descartáveis”. Sempre lembrando que os materiais não saem de circulação… Eles podem estar em algum lugar longe de você, que você não vê, mas, de forma geral, eles continuam existindo por muito tempo.
Ciclos técnicos e biológicos
Para que as embalagens – ou qualquer outro produto – circulem de forma positiva nos nossos sistemas, o design circular Cradle to Cradle distingue dois tipos de ciclos de materiais, o técnico e o biológico.
Materiais ou produtos do ciclo biológico são aqueles que vêm da terra e voltam para a terra. Esses materiais são renováveis e retornam como nutrientes para a biosfera. De modo geral, produtos cosméticos, de higiene pessoal, limpeza e alimentos são claramente produtos do ciclo biológico. Eles têm contato com o nosso corpo e seguem para a biosfera.
Já na tecnosfera, ou ciclo técnico, circulam materiais que não são renováveis, mas que são vistos como nutrientes técnicos para a indústria. Metais ou plásticos, por exemplo, são materiais finitos, mas podem ser mantidos em circulação dentro da sua cadeia produtiva. A ideia é possibilitar a manutenção do seu valor através de múltiplos ciclos industriais fechados, desde o design, ou conceito, de um produto ou material.
Uma grande questão que enfrentamos na atual economia linear é a poluição que ocorre pelo uso exagerado de embalagens descartáveis para armazenar e transportar produtos do ciclo biológico. A questão é que os produtos do ciclo biológico são consumidos em um período curto de tempo – meses, semanas, dias, horas ou até minutos. Enquanto que os materiais do ciclo técnico contidos nas embalagens, como plástico, metais, colas, tintas, etc., continuam circulando de alguma forma no meio ambiente por muito tempo depois que os descartamos.
Esses materiais, na maior parte das vezes, têm características nobres de funcionalidade. Além disso, eles têm um valor em energia, matéria-prima e trabalho humano incorporados neles, que foram necessários para serem desenvolvidos e fabricados. Mas o pouco cuidado em como os materiais e embalagens são projetados, o relativo baixo custo e o mau gerenciamento da cadeia têm levado a uma poluição generalizada que agora atinge praticamente todas as partes do planeta.
E a gente tem que rever isso. É urgente repensar e buscar melhores soluções para que bons materiais do ciclo técnico como plástico, vidros e metais, ou mesmo do ciclo biológico como papel, papelão, biomateriais e resíduos orgânicos não estejam espalhados em lugares errados.
Nesse sentido, vem sendo feito um esforço nas últimas décadas para possibilitar a logística reversa e reciclagem de embalagens do ciclo técnico. E isso já é um primeiro passo. Mas existem também outras soluções possíveis para circular materiais na tecnosfera, como reuso, redistribuição e remanufatura, além de pensar em “serviços de embalagens”. Essas outras ações devem ser estimuladas antes do processo de reciclagem, o qual implica em um investimento econômico e energético maior, quando comparado com as outras opções circulares.
Além das possibilidades acima, novos materiais desenhados para o ciclo biológico, os biomateriais, têm surgido para substituir materiais problemáticos do ciclo técnico. Inúmeras soluções são possíveis com esses novos materiais e diversas empresas e pesquisadores têm trabalhado nesse sentido. Por exemplo, a Ecovative, nos EUA, que está substituindo isopor com material à base de micélio de fungo, a brasileira Oka Bioembalagens, que cria embalagens descartáveis com material compostável à base de fibra de mandioca, ou a Evoware, na Indonésia, que é uma empresa que usa algas para fabricar plásticos biocompostáveis, comestíveis e solúveis em águas para embalagens e sachês.
Resumindo, as embalagens para a economia circular devem ser desenvolvidas para serem funcionais, mas também já devem ser desenhadas com o direcionamento para os próximos ciclos.
A gente selecionou alguns de muitos exemplos de empresas que estão trabalhando em inovação para embalagens para a economia circular, tanto no Brasil como no exterior. Escolhemos tanto as que substituem materiais do ciclo técnico por materiais do ciclo biológico, quanto as que trabalham no ciclo técnico em si.
Embalagens para o ciclo técnico
Reuso/ refil reciclável
A Yvy é uma empresa brasileira de produtos de limpeza naturais, de conteúdo 100% biológico. Seus produtos têm basicamente em sua formulação tensoativos derivados de semente de palma, e foram pensado para retornar para o meio ambiente de forma segura.
Já a embalagem proposta circula no ciclo técnico. Feita a partir de plásticos mais resistentes e de conteúdo reciclado, funcionam com um sistema de refis, permitindo a reutilização da embalagem diversas vezes . A empresa criou cápsulas (refis), também com conteúdo reciclado, que são acoplados em um borrifador e o conteúdo é diluído. O borrifador é usado inúmeras vezes e as cápsulas, através de um programa de logística reversa, podem retornar para a indústria e serem recicladas.
Embalagens como serviço
Algumas empresas estão começando a oferecer sistemas de embalagens como serviço. A Miwa é uma dessas. É uma empresa checa, que criou um sistema circular de recipientes reutilizáveis. A empresa criou um sistema que transmite dados do conteúdo do recipiente e dispenser para um aplicativo no celular, com o qual você pode finalizar a compra. A start-up está trabalhando num piloto em parceria com a Nestlé para marcas como ração Purina e café solúvel Nescafé. Eles também podem acessar digitalmente as informações do produto que normalmente são encontradas nas embalagens, como ingredientes, valores nutricionais e prazo de validade.
Uma ideia muito similar é a da Loop. Eles oferecem um serviço e um sistema de logística para a entrega de produtos em embalagens reutilizáveis para o consumidor. Depois, recolhem as embalagens, higienizam e devolvem para os fabricantes, para que possam ser usadas num novo ciclo.
E ainda a chilena Algramo oferece um sistema de embalagens reutilizáveis para produtos básicos, como alimentos e produtos de higiene, com máquinas de venda a granel. Os produtos são distribuídos em recipientes reutilizáveis, também com um sistema de inteligência para informações e pagamento da compra. Segundo a empresa, ao eliminar as embalagens descartáveis, alguns produtos chegam a ficar 40% mais baratos. Eles ainda estimam que já conseguiram impactar 250.000 pessoas em Santiago, que agora podem ter maior acesso a essas mercadorias. Confira nossa entrevista exclusiva com o fundador da Algramo aqui
Upcycle
A BioCellection, uma das vencedoras do Solve-MIT, traz uma solução que, através de reciclagem química, aumenta a qualidade do material que provém do descarte de plásticos. A empresa usa um processo químico para transformar resíduos de polietileno em ingredientes de alto valor e soluciona a falta de mercado de reciclagem de plásticos mais baratos como o polietileno de alta (HDPE) ou baixa (LDPE) densidade, comumente usados para garrafas e sacolas. O novo material pode ser usado, por exemplo, para criar produtos como solas de sapatos ou peças de automóveis.
Embalagens para o ciclo biológico
PaBoCo (PaperBottleCompany)
A PaBoCo – Paper Bottle Company foi criada para acelerar a pesquisa em embalagens com base de papel. A L’Oreal foi o primeiro ator da indústria de cosméticos a aderir, aliando-se a outras empresas como a Carlsberg, Absolut e Coca-Cola, do setor de bebidas, que também estão investindo nessa solução.
Sulapac
A empresa finlandesa Sulapac criou um substituto biológico para o plástico feito com lascas de madeira certificada e agregantes naturais, que se decompõe naturalmente. O material é bastante apropriado para os recursos e ambiente da Finlândia e tem uma aparência bem nobre. Além disso, o material pode ser usado de forma compatível com o maquinário já existente na indústria de embalagens. A marca chamou atenção em 2019 porque recebeu um investimento da Chanel, que começou a usar a embalagens em alguns dos seus cosméticos.
Zeroplast
Zeroplast produz embalagens que parecem plástico, mas na verdade são feitas com 80% de carbonato de cálcio, a partir da cera de abelha e celulose.
A empresa alemã, assim como a Sulapac, o material pode ser usado de forma compatível com o maquinário já existente na indústria de embalagens. O processo de moldagem por injeção funciona muito bem com esse material, possibilitando o uso das mesmas máquinas de plásticos convencionais. E o material faz embalagens elegantes e bastante atraentes esteticamente. São embalagens um pouco mais pesadas, mas com um material agradável, que aparenta qualidade.
Reinventando a embalagem
O Perso é um protótipo que a L’Oreal está desenvolvendo e apresentou em uma feira de tecnologia nos Estados Unidos no começo de 2020. Não se trata exatamente de uma embalagem, mas simula máquina que mistura os produtos na própria casa da consumidora, de uma forma individualizada e personalizada, usando inteligência artificial.
Além do skincare, também estão produzindo protótipos de base e batom, que misturam cores na hora, de acordo com o tom da pele e as roupas de quem vai usar. A solução é bastante inovadora, e muda a forma como o consumidor interage com o produto, eliminando a necessidade de embalagens individuais. A comercialização é esperada para 2021.
É verdade que parte dos cases que a gente selecionou ainda não funcionam em escala industrial, que é uma condição importante para atender a demanda na quantidade e preço que grandes fabricantes precisam para substituir a sua produção. Mas isso não pode mais ser uma desculpa para grandes empresas seguirem o business-as-usual, mas antes um estímulo para investir em novas parcerias e pesquisas inovadoras.
O que podemos aprender com esses exemplos é que estão sendo desenvolvidos com a intencionalidade de criar uma embalagem circular, com efeito mais positivo, e olhar de melhoria contínua. As soluções devem ser desenvolvidas de forma a desenhar o produto junto com a sua embalagem, o que ajuda a direcionar as soluções para a circularidade. Outro fator é trabalhar com novos materiais, ou simplificar embalagens de modo que possam voltar com mais facilidade para os sistemas, e sempre buscar entender o que pode acontecer depois.
E, em todos os casos, podemos ver também que a inovação acontece através de parcerias de empresas de variados portes e também com múltiplos atores. São pessoas, empresas e instituições que estão inovando e incentivando uns aos outros e caminhando de mãos juntas para a mesma direção.