O vôo da Revoada

Share

“Quando a Revoada começou, dizíamos que eram produtos sustentáveis”

comenta Adriana Tubino, uma das fundadoras da empresa, que só soube que sua produção era mais que isso quando foi usada como case de sucesso de economia circular.

A Ideia Circular foi conhecer um pouco mais da trajetória, desafios e perspectivas da Revoada, num bate-papo com a Adriana Tubino, que junto com a Itiana Pasetti, fundou a empresa de design circular para a moda há sete anos.

Mesmo antes de ouvirem falar em economia circular, seu foco sempre foi em transformar materiais, como câmaras de pneu e tecidos de guarda-chuvas descartados, em produtos como jaquetas, carteiras, bolsas, mochilas e brindes corporativos. Hoje em dia, além da fabricação de objetos, a Revoada também presta serviços de consultoria em design circular para a moda, transmitindo o conhecimento que adquiriram para outras empresas.

Em 2019, as sócias e mais duas integrantes da equipe participaram do curso Economia Circular na Prática da Ideia Circular.

“Estamos constantemente usando o que aprendemos no curso.”

comenta Adri, que compartilhou conosco o trabalho inspirador, e todos os desafios, obstáculos e ganhos que elas vêm passando na trajetória da Revoada.

“Hoje, sabemos que pretendemos criar produtos circulares, não apenas sustentáveis”.

Cenário Fast Fashion

A Revoada surgiu quando Adriana e Itiana atuavam diretamente no mercado da moda e estavam incomodadas com o modelo de crescimento voraz do “fast fashion” que, entre outras falhas estruturais do sistema linear, gerava muito resíduo. Iti era estilista e Adri trabalhava em seu estúdio de design havia uma década. Apesar de estarem bem inseridas no que Adri chama de “esquema armado” das grandes marcas da moda, elas sentiam que estavam indo para a direção oposta daquela que acreditavam.

“A competição desses players prioriza preço, volume e incentivo desenfreado ao consumo em detrimento à qualidade, sem pensar no resíduo e, não menos importante, sem pensar na cadeia produtiva”, 

diz Adri, que nos lembra ainda que o setor que mais gera trabalho análogo à escravidão, no mundo, é o da moda.

Conceitos e Escolhas

Neste cenário, elas buscavam voltar o olhar para as soluções de uma outra forma e experimentar processos melhor desenhados, levando a uma lógica mais circular e regenerativa. A escolha por fabricar acessórios de moda era um tanto óbvia, devido aos anos de experiência de ambas na área. O próximo passo, pesquisar e escolher as matérias primas, não foi menos fácil, pois já entendiam que o fim de um ciclo é  sempre o começo do próximo.

“Justamente por estarmos no entorno de um polo da indústria coureiro-calçadista (região de Porto Alegre), não queríamos usar couro. Não fazia sentido. Começamos a buscar no lixo algo que se assemelhasse. Quando a gente viu a câmara do pneu pela primeira vez com esse olhar, como um tecido, um material plano, falamos: ‘parece até couro, né?’ e ainda tem o aspecto da borracha dando um ar moderno, diferente, futurista até!”.

revoada
revoada

A definição do segundo material para trabalhar na marca veio a partir da necessidade de criar uma solução para o forro de uma bolsa de viagem. Começaram então a observar descartes com tecidos e chegaram ao nylon do guarda-chuva, um produto que é descartado em grande quantidade, por não ser feito para durar.

“O que estraga é a ferragem do guarda-chuva, então, normalmente, o tecido está perfeito, é colorido e, por ser nylon, tem durabilidade bacana”.

Com o segundo protótipo em mãos, estava provado não apenas que seria possível fazer um produto com aqueles resíduos mas, tão importante quanto, era possível o fazer com design e personalidade.

“A gente queria comprovar pra gente mesmo que daria pra fazer aquilo com design. Olhar o produto e surpreender que aquilo era feito usando câmera de pneus, tecido de guarda-chuva”.

diz Adri, que nos lembra ainda que o setor que mais gera trabalho análogo à escravidão, no mundo, é o da moda.

Fornecimento de Matéria Prima

O próximo passo seria estruturar uma cadeia para esses novos ciclos.

“Não era apenas pegar o telefone e ligar para o fornecedor de tecidos” “Tivemos que desenhar a cadeia do zero”. 

Os novos fornecedores nem se concebiam assim e tiveram que ser “aliciados” ao novo ciclo proposto. Borracheiros seriam pagos para retirar pneus que não tinham mais uso de suas borracharias. E os catadores, que antes ganhavam R$ 0,05 por quilo de resíduo coletado para reciclagem, agora receberiam 50 centavos por unidade de guarda-chuva. As novas relações de fornecimento foram construídas pela cidade e incluídas na cadeia, engajando as comunidades envolvidas no projeto. Havia um diálogo estruturante para todos nessas novas relações.

“É um mundo novo que se abre para eles se verem também em outros lugares, com outras possibilidades”. 

Os recicladores passaram a se entusiasmar com os guarda-chuvas e a ressignificar suas atividades e o próprio lixo, ao se entenderem como prestadores de serviços socioambientais.

“Essas pessoas se tornavam profissionais à medida que faziam e passaram a olhar para o guarda-chuva com carinho para pensar coisas com ele. A gente passou a levar produtos para tocar, dar, verem o que estávamos fazendo”.

A partir das borrachas, a Revoada começou a criar itens como mochilas, carteiras e bolsas e, com o nylon dos guarda-chuvas coletados com as cooperativas, além do forro de algumas dessas peças, a empresa fabrica as jaquetas “Garoa”.

Ciclo Produtivo

Grande parte  do ciclo produtivo é dedicado ao preparo dos materiais. Para higienizar os guarda-chuvas, a Revoada conta hoje com prestador de serviço especializado e certificado para lavagem industrial. Questões como captação de água da chuva, a qualidade da água descartada e outros protocolos ambientais são, portanto, observados rigorosamente. Já a limpeza das borrachas das câmaras de pneus é feita com um óleo a base de côco desenvolvido pela Revoada e otimizado para o ciclo biológico.

Foto: Revoada

Em 2013, Novo Hamburgo e o mercado coureiro-calçadista estavam em crise econômica e Adri e Iti observaram que existiam ateliês familiares totalmente montados, mas inativos. Ao invés de usar uma fábrica, as sócias viram a oportunidade de causar impacto social mapeando e contratando essas famílias para costurar. Ao longo dos anos, vieram bons contatos com cooperativas periféricas de costureiras, e hoje a maior parte da produção vem delas.

Viabilizar o Negócio

O caráter experimental do projeto nas suas primeiras fases foi motivado por abordagens mais de pesquisas do que de negócios. O projeto foi adquirindo direções de empreendimento à medida em que as idealizadoras se deram conta de que, para existir, ele havia de ser rentável.

“Aprendemos a fazer business nesse período para viabilizar o negócio, afinal, vivemos disso há 7 anos então tem que funcionar”.

Pesquisa Constante e Intensa

Adri descreve ainda o desafio da falta de referências no Brasil. Os exemplos que existiam (como Patagonia), mas eram de países mais ricos, portanto, as realidades socioambientais eram bastante diferentes. Acabaram praticando o infalível método “tentativa e erro” e inventando o jeito de fazer:

“No fundo, todos projetos praticam esse método mas não podíamos encurtar caminhos pois nenhum havia sido traçado antes de nós. Nossa pesquisa era constante e intensa.”.

Valor Agregado

A formação de Adri é em comunicação e, como boa especialista em gestão de marcas, entende o valor de se contar uma boa história. O posicionamento, propósito e valores da Revoada deviam agora ser anunciados aos quatro ventos e cada produto passou a carregar uma etiqueta contendo essa narrativa. Pretendia-se, com a transparência dos processos, acentuar a percepção de valor e agregá-lo, educando sobre o quê, como e porquê estavam sendo feitos.

Notando que as pessoas estão buscando informações e aprendizados sobre consumo consciente também na compra de uma peça de moda, Adri acredita que esse diálogo aberto sirva para instrumentalizá-las nesse processo e deve ser constante. Para ela, dialogar faz as conexões mais palpáveis e que a faz apostar nesse vetor de mudança.

Essa frente é muito valorizada na empresa: as respostas são contínuas sobre o que é design circular, sobre quem está por trás da feitura de um produto, sua história, o que ele representa e o futuro dessa própria peça ao final de sua vida útil.

Logística Reversa

Para além da conexão ideológica, o texto criado na etiqueta convida o cliente para uma conexão pós-venda, ao propor a logística reversa dos produtos na hora do possível descarte.

“Demos um tiro no escuro e, sem saber como seria o comportamento desse consumidor, pedimos que nos procurassem. Apesar de ter sido feito para durar por muito tempo, não haveria coerência alguma se não recolhêssemos o produto para evitar que o material retirado do lixo virasse resíduo de novo.”

Porém, a essa altura, Iti e Adri não sabiam exatamente qual era a destinação correta que os materiais deveriam ter.

“Haveria um tempo até que as pessoas começassem a devolver e fomos pesquisar.” 

Na pesquisa, descobriram parceiros com subprodutos e/ou processos para o fim de um ciclo ser também o começo de outro. A borracha dos pneus, por exemplo, podem ser adicionados a novos ciclos e serem usados como matéria prima para os próprios produtos da Revoada ou para outros produtos como  asfalto, isolamento acústico ou parachoque de automóveis.

“A ideia é ir qualificando todo o ciclo o tempo todo, principalmente no final dele e, depois de estudar economia circular, a gente vê o quanto mais dá pra fazer.” 

As pesquisas de reinserção dos materiais no ciclo técnico evoluíram consideravelmente e a Revoada se responsabiliza hoje pela decomposição da borracha, a triturando e formando chapas para serem usadas na própria produção. Novas pesquisas sobre o ciclo do nylon estão em andamento para trazer o material da jaqueta “Garoa” de volta ao ciclo e para que novas peças de vestuário possam retornar à linha de produtos da empresa.

Consumo consciente e novos mercados

Adri credita o crescimento de iniciativas como essa, na moda e em outros setores, a uma mudança na consciência e comportamento das pessoas, que cada vez mais não conseguem dissociar seu bem-estar dos efeitos das suas escolhas de vida e consumo.

“Os dados do crescimento robusto e orgânico desse mercado é um bom indicativo que as pessoas estão se preocupando com seu bem estar no mundo e, consequentemente, com mundo. Começam a enxergar que isso tem a ver com escolhas e a escolher de um outro jeito. A mudança é sobre como ‘estar’ no mundo.” 

Foto: Revoada

“Embora antes, quando começamos, o Slow Fashion no Brasil fosse mais um projeto que uma realidade, hoje podemos dizer que existe esse mercado com marcas pequenas e médias fazendo um bom trabalho e trazendo outra lógica, priorizando valor agregado, novas matérias primas, novas formas de cadeias produtivas, pensando em gerar impacto positivo enquanto faz moda.”

O Futuro é Circular

Adri lembra que o próprio planeta está cada vez mais pedindo essas mudanças de hábito, e de forma cada vez mais rápida. E esse é um caminho sem volta.

“E a gente acredita muito que esse mercado vai continuar crescendo, por todas as coisas que a gente tá enfrentando. O mundo – de alguma forma – tá pedindo o tempo todo que a gente mude. Que a gente mude a nossa forma de estar no mundo, e isso tá muito ligado com a nossa forma de produzir e de consumir também. Então eu sinto que é um caminho meio sem volta.”

Como a economia circular é uma mudança integrada de diversos atores, a comunidade de marcas da indústria da moda que têm a intenção de serem mais positivas tem se unindo para buscar soluções efetivas para um mercado que está em constante movimento. Clientes e empresas colaboram continuamente na construção desse sentido maior:

“A gente é motivado muito pela troca com outras marcas. Temos uma comunicação aberta dentro do mercado que se estrutura menos competitivo, mais colaborativo do que o modelo que já conhecemos.”.

Re-voar. de Novo e de Novo.

Depois do sucesso desses 7 anos, quais as ambições da Revoada? Continuar crescendo como empresa e mostrando que “é possível fazer”!

“Somos conhecidas mas a gente é ainda uma empresa muito pequena. Queremos ter um time maior, uma frente de pesquisa circular, construir novos ciclos e introduzir novas formas de desenhar os produtos.” 

Outros novos passos podem ser o uso de outras matérias primas, indo além do uso de materiais provindos de resíduos e também, desenvolvendo novos materiais já saudáveis para o ciclo técnico ou orgânico desde o início da cadeia. Além disso, Adri prevê formação de novas parcerias para, por exemplo, criar ecossistemas de ecologia industrial com empresas, ou ainda apoiar a otimização de processos de empresas terceiras, com a consultoria para o design circular.

Desde sua concepção, a Revoada intencionava o “design vital” e a reinvenção de processos para responder aos desafios dos nossos tempos. Mas olhar o gráfico borboleta, que sintetiza o pensamento circular, fez com que as suas pesquisas ganhassem mais sentido. Com os olhares aguçados para o “oito” do movimento do gráfico, o infinito inspira.

E, depois do curso Economia Circular na Prática, a pergunta “e depois?” se tornou uma constante nos processos da Revoada.

“Depois de estudar economia circular vemos o tanto que ainda tem a ser feito. Serviu-nos como norte, como lugar a se chegar. A melhoria dos processos deve ser constante.'”

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Continue lendo a postagem