A economia circular significa a sobrevivência da indústria têxtil nos próximos anos. De acordo com o relatório Pulse of the Fashion Industry, elaborado no ano passado pela consultoria Boston Consulting Group em parceria com o movimento Global Fashion Agenda, as marcas de roupa vão sofrer a partir de 2030 declínio na lucratividade – perda de margem equivalente a 45 bilhões de euros por ano, conforme previsões conservadoras.
O prejuízo avistado se deve à inviabilidade cada vez mais evidente de uma indústria inserida no modelo econômico linear. A preocupação fica maior porque a demanda crescerá sensivelmente até 2050, com destaque para os mercados emergentes como Ásia e África, o que pode resultar em uma situação de insuficiência de recursos produtivos.
Não há como negar a importância da indústria têxtil para a economia mundial. Além de gerar 1,3 trilhão de dólares por ano, ela emprega mais de 300 milhões de pessoas, de acordo com a Euromonitor e o Banco Mundial. O algodão é uma das suas matérias-primas. A produção sozinha de algodão responde por quase 7% dos empregos dos países de baixa renda.
Se a geração de riqueza impressiona, dá para dizer o mesmo sobre o desperdício dos materiais e o uso predatório do meio ambiente. Mais de 500 bilhões de dólares são perdidos por ano por causa de dois fatores principais: uso insuficiente ou descarte rápido das roupas e reciclagem muito baixa.
Em termos de produção de gases do efeito estufa, outro número nada animador. Com 1,2 bilhão de toneladas liberadas anualmente no meio ambiente, a indústria têxtil desbanca todos os voos internacionais e transportes marítimos combinados. Consome ainda 93 quatrilhões de litros de água – difícil até mesmo de imaginar! Sem contar as microfibras de plástico que vão parar nos oceanos e que são liberadas pelas roupas quando lavadas.
O que contribui para essa situação de consumo alto dos recursos naturais é que a roupa deixa de ter valor rapidamente para o consumidor. De acordo com a Circular Fibres Initiative, em comparação com 15 anos atrás, houve queda de 36% no número de vezes que a roupa é usada antes de deixar de ser utilizada. Nos Estados Unidos, a utilização é 75% menor do que a média global. Ou seja, a história de renovar o guarda-roupa está sendo levada a sério. Ainda segundo a Circular Fibres Initiative, menos de 1% do material empregado na produção de roupa é reciclado, uma perda anual de 100 bilhões de dólares pelo não reaproveitamento.
O que precisa ser feito para alterar esse cenário de acordo com a economia circular? No livro “Cradle to Cradle: criar e reciclar ilimitadamente”, Michael Braungart e William McDonough escrevem que os seres humanos terão de aprender a imitar os sistemas naturais – altamente efetivos e circulares – se quiserem prosperar. Para eliminar o desperdício, não há outro caminho que não seja projetar as coisas desde o início ou desde a etapa da concepção com a intenção de eliminar o conceito de lixo.
Nesse contexto, para contornar o problema do uso cada vez menor da roupa pelo consumidor, a adoção do conceito de produto de serviço é um dos caminhos. A marca dinamarquesa Vigga oferece aluguel de roupa de bebê para pais que desejam um produto de alta qualidade. O preço sai mais em conta do que a compra da mesma roupa em uma loja de departamento. A empresa Borrow for your Bump tem modelo de negócio parecido, com a diferença de oferecer o serviço para outro público: o de mulheres grávidas.
Há, portanto, diversas oportunidades no mercado que podem atingir públicos interessados em roupas voltadas para ocasiões especiais. Não custa nada lembrar que o aluguel de roupa para festa e para casamento já está consolidado no mercado há muitos anos.
Claro que falamos sobre nichos específicos, mas nada impede de a mesma dinâmica baseada no produto de serviço ser oferecida para quem está simplesmente em busca de renovar o guarda-roupa. Pesquisa realizada no Reino Unido mostrou que 26% das pessoas têm esse objetivo ao comprar novas roupas. Esse é um público numeroso, que pode ser bem explorado pelas marcas no aluguel por meio de ações voltadas para a fidelização. Oportunidades não vão faltar, já que a moda se renova a todo momento.
Ao alugar roupas, em vez de vendê-las apenas, é possível assegurar que elas serão usadas muito mais vezes antes do fim da vida útil. Trata-se de uma forma efetiva de combater o desperdício e assegurar a continuidade da indústria têxtil, mitigando assim os riscos de uma crise de recursos produtivos.
O problema, é claro, não se encerra na adoção do modelo de produto de serviço. O baixo índice de reciclagem ou reaproveitamento dos materiais é outro fator de atenção. Para que a reciclagem seja do tipo upcycle, os produtos precisam ser saudáveis e desenhados para que os materiais, no lugar de serem eliminados, sejam dissociados e reciclados dentro dos ciclos técnicos e biológicos, com a mesma qualidade inicial.
Para eliminar ao máximo o uso de materiais nocivos, a etapa de concepção das roupas deve ser revista, de acordo com o design circular. Precisamos perguntar sempre: o que entra neste material ou produto? E o que acontece com ele depois? Hoje em dia, para a produção de um quilo de roupa de algodão, são empregados três quilos de produtos químicos. Essa característica de produção, ao lado das outras já abordadas que se mostram nocivas para o meio ambiente e para as pessoas, vai em evidente contramão do que propõe o design circular.
A transição para a economia circular é potencializada pela colaboração entre marcas pioneiras, designers e fornecedores. Um caminho promissor é criar bancos de materiais que sigam os mesmos critérios de saúde e ciclabilidade: fios, tinturas, guarnições, acabamentos. Da lógica linear para a circular, aumentando assim a coleção de materiais positivos para a moda.
Ao menos três oportunidades para a indústria têxtil são evidentes.
A primeira está na criação de um conjunto de empresas e profissionais pioneiros no processo de economia circular no Brasil. A segunda diz respeito à posição singular da indústria têxtil no Brasil. Diferentemente de países europeus e da América do Norte, nós desenvolvemos internamente todas as etapas da cadeia produtiva: produção da matéria-prima, manufatura, consumo e descarte.
Além de termos alcance sobre o processo inteiro, as etapas estão sob o mesmo marco regulatório, o que facilita possíveis mudanças. Há ainda uma terceira oportunidade que se relaciona com a criação e o fortalecimento de parcerias entre empresas que pensam de forma similar sobre um futuro mais positivo para a moda.
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