Conheça o Dapoda, vencedor brasileiro do No Waste Challenge 2021

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Fonte: Dapoda/ Dapoda e PodaLab (FAU USP).

Programas, concursos e desafios que buscam ideias para resolver problemas socioambientais estão se espalhando e são ótimas formas de ajudar projetos inovadores como o Dapoda a saírem do papel. De quebra, também nos ajudam a conhecer cada vez mais iniciativas inspiradoras de todo o mundo!

Já contamos aqui no blog sobre alguns projetos que foram destaque de desafios ligados à economia circular, como o Circular Design Challenge, da OpenIdeo, o Ocean Plastics Innovation Challenge, da National Geographic (que contou com a participação da nossa co-fundadora Carla no júri), o Solve Challenge, do MIT, e a chamada Solve: Repensando o Plástico nas Américas, do MIT com o BID (os dois últimos com participação da nossa co-fundadora Léa no júri e time de mentores).  São alguns exemplos entre vários programas que, felizmente, vêm se multiplicando nos últimos anos.  

O concurso mais recente que ajudamos a divulgar foi o No Waste Challenge (Desafio Sem Lixo), da What Design Can Do, uma organização internacional que investiga o poder do design para impulsionar a transformação social e ambiental

A edição de 2021 premiou 16 ideias inovadoras espalhadas pelo mundo, cada uma focada em trabalhar criativamente a questão do desperdício dentro da sua própria realidade. Dentre os vencedores temos as mais variadas soluções, desde o projeto mexicano Sustrato, que transforma resíduos da indústria do abacaxi em bioplástico, até os participantes quenianos do Leafy Life, que aproveitam fraldas usadas para produção de combustíveis e materiais de construção.

Hoje, nosso destaque é o Dapoda, projeto que foi selecionado no desafio para representar o Brasil entre os 16 projetos vencedores.


(Vale a pena conferir também nosso post sobre os 10 finalistas brasileiros do concurso!)

Qual é a inovação do Dapoda?

Criado por um grupo de estudantes e professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), o Dapoda propõe a criação de produtos a partir de resíduos de poda das árvores urbanas. A ideia é destacar o valor desse material, que muitas vezes é incinerado ou encaminhado para aterros sanitários, onde passa a emitir metano e contribuir negativamente para as mudanças climáticas. 

Mesmo a disposição em composteiras, ainda que muito mais adequada para retornar o seu valor como nutriente biológico, pode ser vista como uma sub-utilização, enquanto há uma demanda clara por objetos de madeira na própria cidade. Além disso, a manutenção das áreas verdes de uma cidade da escala de São Paulo acaba produzindo uma quantidade enorme de resíduos arbóreos, que poderiam ter destinos mais nobres a partir de soluções baseadas no design.

Dados de 2020 mostram que o município de São Paulo realizou mais de 88 mil podas de árvores pela Secretaria Municipal de Subprefeituras, o que equivale a aproximadamente 50 mil toneladas anuais de madeira na forma de galhos e troncos. Boa parte desse material, normalmente tratado como resíduo, tem grande valor e pode ser aplicado na construção de inúmeros produtos, como móveis, painéis e equipamentos urbanos. 

Em meio a esse cenário nasce o Dapoda, que propõe a análise desses resíduos de poda e a criação de novas soluções a partir do design para oferecer destinos mais nobres para essa madeira – além de aliviar a crescente demanda e pressão sobre as florestas nativas. 

Além disso, o Dapoda trabalha também para transmitir todo esse conhecimento através de oficinas e cursos de capacitação com parceiros e comunidades. Assim, mostra uma preocupação não só de pensar novas soluções para a madeira coletada, mas também de envolver uma ampla cadeia de atores no processo logístico e criativo. 

 Imagem: fluxograma das atividades. Fonte: Dapoda

Da universidade para o mundo

A Ideia Circular conversou com os membros do Dapoda para entender melhor como o projeto começou dentro da universidade, como foi a participação no Desafio No Waste Challenge, e quais os planos de expansão para além dos muros acadêmicos.

“O Dapoda, como já foi apontado, ele tem uma visão bastante empreendedora de ir além dos muros da universidade e propor um modelo de negócio voltado ao design, o design como norteador da valorização desses produtos ou desse material.” – Tomás Barata

Os entrevistados foram Cyntia Malaguti de Sousa e Tomás Queiroz Barata, professores titulares do Departamento de Tecnologia, e os estudantes Caio Dutra, mestrando em design, e Tiago Schutzer, aluno de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Assista às 5 partes da entrevista no player abaixo – você pode passar de uma parte à outra mudando de abas! 

E, se quiser, também pode ler a transcrição completa da entrevista logo abaixo, e deixar seus comentários e feedback!

1 – História do Dapoda: novas rotas para os resíduos de poda de árvores urbanas

A professora Cyntia conta sobre os projetos relacionados à madeira em andamento dentro da Universidade e como os próprios alunos e alunas foram trazendo as demandas que levaram à criação do Dapoda.

“Uma vez uma aluna, Cátia, que está se formando agora, veio com um carrinho de mão e disse: ‘podaram uma árvore aqui na FAU, a gente não pode aproveitar isso aqui?’. Ela veio com um carrinho de mão assim na oficina, nunca me esqueço disso!” – Cyntia Malaguti

2 – Replicação e Laboratório Vivo

Nessa parte da entrevista entendemos o potencial de replicação do projeto, em outros campi universitários, e também para outros municípios e estados brasileiros. Eles contam também sobre alguns gargalos do processamento da madeira, e Caio explica o conceito de “laboratório vivo”, que possibilita que os diversos atores da cadeia possam inovar e se fortalecer em conjunto. 

“Então o Dapoda surge nesse sentido, como um nó que pretende reunir essas diferentes informações, sintetizar e identificar as melhores formas de disseminar por toda cadeia”. – Caio Dutra

3- Circularidade e a pergunta de ouro: e depois?

Pensando na circularidade dos materiais, os membros do Dapoda comentam sobre como explorar todas as possibilidades de uso da madeira através do seu aproveitamento em cascata. Eles também destacam a importância de se pensar a saúde dos materiais, no sentido de selecionar aditivos e acabamentos que não sejam prejudiciais ao ciclo biológico da madeira – além de priorizar sistemas de encaixe que facilitem a desmontagem dos produtos.

“E aí a ideia do uso em cascata também, que é muito importante no Dapoda. Que não é só o material lenhoso, a madeira, mas os resíduos que podem vir a ser gerados no processamento para transformar em um objeto, em um móvel… (…)  Então as aparas ou os resíduos menores podem ser incorporados em estruturas que sirvam, por exemplo, pra construção civil. Então são caminhos muito interessantes e que partem de um material até então subutilizado.” – Caio Dutra

“Uma outra perspectiva é perceber que a utilização da madeira das cidades diminui muito a questão da logística. Você tá colhendo ali, você tá fazendo a poda, o manejo que é necessário e, de alguma forma, aproveitando. Você não tá transportando a madeira que vem da Amazônia, florestas plantadas. Você tá pegando matéria prima da própria cidade e utilizando, tá fixando o carbono e também a parte logística se reduz muito.” – Tomás Barata

4 – Pra quem e com quem?

A Cyntia comenta que existem dois públicos do Dapoda: o comprador institucional, representado pela universidade, e o consumidor final, pensando no valor de mercado dos produtos do projeto. O Caio e Tomás também discutem a questão da rede de parceiros envolvidos para o desenvolvimento de soluções e técnicas para as podas – além do potencial social do projeto de disseminar conhecimento e gerar emprego e capacitação.

“Então a gente vê esses dois públicos, essas duas perspectivas. Esse comprador institucional e também esse consumidor final.” – Cyntia Malaguti

“Então aí a gente volta para aquela questão das parcerias, da colaboração e como a gente pode encontrar um parceiro que desdobre, trabalhe, trate esse material  e a gente possa distribuir amostras e briefings pra eventuais parceiros, designers, estúdios, que eles também possam gerar soluções pra esses materiais” – Caio Dutra

“Talvez seja um ponto fundamental (…) a possibilidade de colocar esse material disponível para comunidades, fablabs e centros educacionais (…) Você acaba reproduzindo também o conhecimento e gerando emprego e capacitação. Então isso eu acho que também, além da questão ambiental do projeto, tem um olhar social muito adequado às cidades grandes, médias e cidades pequenas do Brasil” – Tomás Barata

5 – Prêmio no Desafio No Waste e visão de futuro

Para finalizar, os membros do Dapoda contam como foi a participação no Desafio No Waste promovido pela What Design Can Do, e como ganhar esse prêmio tem ajudado eles a criar conexões importantes para fazer o projeto crescer. Também compartilham suas visões de futuro para o Dapoda e deixam dicas especiais para quem está começando um projeto na área ambiental.

“Então essa perspectiva de mostrar o material acabado e com valor…. Um tronco que tá jogado ali num barranco. Quer dizer, essa força muito grande, esse potencial de renascer um material eu acho que também é interessante. Tem a sua poesia aí também no trabalho” – Tomás Barata

“Queria dizer também que a gente vive num país que tem muitas possibilidades, mesmo dentro do ambiente urbano, e que os desafios são muitos estimulantes, e acho muito importante a gente buscar esses caminhos a partir daquilo que a gente tem. Do nosso potencial e dos nossos recursos, ao invés de olhar essa perspectiva também colonial que a gente tem (…) A importância de a gente olhar para o nosso potencial criativo, nosso potencial de recurso”. – Cyntia Malaguti


Transcrição da entrevista com Dapoda

História do Dapoda: novas rotas para os resíduos de poda de árvores urbanas

Léa: Olá, boa tarde. A gente tá aqui com o pessoal do Dapoda, da FAU USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). Eles acabaram de ganhar o prêmio super bacana do No Waste Design Challenge. Eles também vão falar sobre isso, sobre esse prêmio internacional. Estamos super felizes, queremos agradecer a presença da professora Cyntia, do professor Tomás e do Caio e Tiago, que são estudantes da Faculdade de Arquitetura. 

Cyntia: Muito obrigada pela oportunidade. É um prazer enorme estar com vocês!

Tomás: Também queria agradecer o convite, super prazer de estar aqui com vocês. A gente viu o trabalho consistente que vocês tem. E é muito importante a inserção desse olhar da economia circular, principalmente no ambiente urbano… e essa é um pouco a nossa abordagem nesse auxílio, esse apoio no projeto Dapoda.

Caio: É um prazer estar com vocês e também agradeço pela oportunidade. 

Léa: Então acho que a gente podia começar um pouco pela história do Dapoda, que trabalha com essa ideia de valorizar os resíduos da arborização urbana com a experimentação em design. Vocês poderiam contar como começou essa história da Dapoda e qual foi a motivação para esse projeto? 

Cyntia: Já há algum tempo eu vinha ministrando sozinha (agora eu to com o Tomás) disciplina de sustentabilidade e também trabalhando com materiais e processos, inclusive madeira, com alunos do curso de graduação em Design. E, nesse trabalho, principalmente com os alunos iniciantes, eu tinha essa proposta de que eles fossem até as marcenarias pra pedir resíduos dessas marcenarias e a gente desenvolver pequenos objetos com eles, com esse intuito de experimentar diferentes tipos de madeira e também exercitar encaixes. Porque no semestre seguinte, ou às vezes no mesmo semestre, tinham disciplinas onde eles tinham que desenvolver móveis. Então trabalhar com esses pequenos resíduos, essas pequenas partes de madeira, era uma maneira deles também pensarem no aproveitamento dos resíduos, conhecerem as marcenarias e os diferentes tipos de madeira, experimentarem… e desenvolveram coisas muito interessantes. 

Algumas vezes os alunos vieram me perguntar – “Ah, professora, mas cortaram um abacateiro aqui na minha casa…” Uma vez uma aluna, Cátia, que está se formando agora, veio com um carrinho de mão e disse: “podaram uma árvore aqui na FAU, a gente não pode aproveitar isso aqui?”. Ela veio com um carrinho de mão assim na oficina, nunca me esqueço disso!

Então eu não tinha pensado nisso, mas os alunos trouxeram essa demanda.  E aí uma aluna específica, se formou agora, a Clara Bartolomeu, também veio: “Cyntia, você pode me orientar? Uma iniciação nessa linha?” e eu disse “Claro, vamos! Mas então eu acho que vou começar um projeto de pesquisa pra eu poder te orientar melhor… vamos interagir com o IPT, vamos interagir com o Instituto de Biociências…” E ela desenvolveu uma iniciação. Só que nesse processo eles acharam espécies invasoras na USP, estavam tentando erradicar. Uma delas é a Leucena, que é muito eficiente, mas ela destrói algumas árvores. E aí esse tema foi meio que me encantando, eu descobri que uma professora da ESALQ também já vinha pesquisando com a Engenharia Florestal esses resíduos: a professora Adriana Nolasco, que tinha experiência nessa área. A gente foi interagindo e fui conhecendo que tinha uma rede de pessoas – mas não da área de Design, curiosamente. Então conversando com alunos: “mas, ah, o Design tem que fazer alguma coisa… Engenharia Florestal, Estudos de Biociências… mas a gente tá na ponta, como assim?” E aí eu sugeri no NUTAU (Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura, do Urbanismo e do Design da USP), que é o Núcleo de Apoio à Pesquisa, que organiza seminários a cada dois anos, que o tema do seminário de 2020 fosse esse. E os membros do conselho gostaram da ideia, porque de certa maneira interagia com Design, Arquitetura e com Urbanismo, com todas as áreas. 

E aí nós organizamos o evento. O Tomás, nesse início de dois 2020, em pleno início de pandemia, ele veio pra FAU. A gente já tava de olho nele né, foi uma felicidade que ele passou no concurso, eu fiquei super super feliz – “Oba!”. Aí falei pro Tomás: “Tomás, você não quer entrar no grupo desse evento?”.  E chamei o Caio também, que era meu orientando: “Caio, vamos participar do grupo para organizar esse seminário?”. E aí o seminário foi um sucesso. Uma coisa impressionante, teve mais de 600  participantes. Foi todo virtual. Tinha gente do Brasil inteiro, tinham 222 cidades, né Caio? O Caio que fez depois o levantamento. Não sei quantas prefeituras, não sei quantas faculdades… 

Aí a gente entendeu que era uma demanda muito grande. Então o Tomás chegou pra mim no final do ano de 2020, ele viu que tinha um edital também na USP, organizado pela Superintendência de Gestão Ambiental da USP e voltado pra redução da emissão de gás carbônico. Tomás disse pra mim: “Cyntia, a gente não pode perder esse edital!”. E aí nós participamos, porque entendemos realmente que o aproveitamento dos galhos seguraria esse carbono, fixaria o carbono, ao invés do que era o padrão adotado aqui até então.  

E eu sei que aí nós ganhamos, junto com outros projetos voltados a essa fixação do carbono. Então começamos a estruturar um grupo maior, né Tomás? Em plena pandemia (isso aí foi em janeiro). 

E aí, com pouquíssimos recursos, vimos o desafio da What Design Can Do, uma organização internacional, e o desafio desse ano era “No Waste”. Eu e o Tomás provocamos os meninos. Chegamos: “Escuta, vocês não querem participar desse desafio? A gente ajuda, mas aí é uma coisa mais pra empreendedorismo. O Tomás e eu somos professores. O Artur, que participa do grupo, também. Inclusive, com dedicação integral. A gente não pode assumir uma empresa, mas se vocês quiserem, a gente ajuda”. Aí o Tiago e o Caio encamparam a ideia.

Caio: Só pra terminar a fala da Cyntia, complementar, que aí então surge o Dapoda nesse sentido. A gente já estava ali envolvido com o evento do NUTAU com esse tema e teve a chance de ser aprovado nesse edital interno da USP que buscava identificar como aproveitar os resíduos dentro do campus da Cidade Universitária, e as coisas foram convergindo. Então veio esse concurso e a gente já tava imerso, já tinha muita coisa pré-sistematizada, muitos textos ali elaborando, e a gente viu como oportunidade incrível de levar essa ideia pra fora da faculdade, ir além dos muros da USP. 

Então a ideia do Dapoda surge daí, de como transferir esse conhecimento que já vem sendo gerado dentro da universidade pra cidade de São Paulo, né? E como tornar isso, de algum modo, replicável para outros municípios brasileiros. Acho que isso foi talvez um dos pontos mais atrativos da nossa proposta: esse potencial multiplicador e de entender o grande volume que existe de madeira das podas e supressão de árvores urbanas. Há estimativas aí de que pode chegar a 50 mil toneladas por ano de troncos e galhos, então é um volume muito significativo. Também tem uma pesquisa da própria universidade que indica que 30% desse material poderia ter destinos mais nobres que não apenas a compostagem ou a geração de energia. E a gente vê o design, com o pensamento sistêmico e estratégico, como uma área que pode contribuir muito para identificar essas oportunidades. Então acho que é um pouco isso… 

A gente ganhou o concurso, as coisas foram acontecendo, estamos nos estruturando como uma “quase startup” e tem sido… além de ser muito incrível ganhar esse projeto, acho que tá sendo muito inspirador também, ver onde esse tema pode nos levar e como ele pode proporcionar benefícios sistemáticos. Não só pra arborização, mas como essas pessoas interagem com essas árvores, com os produtos que podem ser gerados a partir desses resíduos, e o potencial de geração de renda e de capacitação de futuros profissionais. Estamos muito animados com esse processo.

Replicação e Laboratório Vivo 

Léa: Aí nesse sentido que você falou de que é um projeto muito replicável, eu queria entender um pouco melhor. Você falou que vocês iniciaram o projeto com as podas da arborização urbana do campus da USP, do Butantã. E qual o grau de replicação disso? Vocês já estão ampliando? É um projeto escalável? Como funciona essa transformação, esse crescimento?

Cyntia:  Um dos gargalos é que a gente tem uma diversidade muito grande de espécies de madeira, e muitas vezes tá tudo junto e misturado, e entender que são espécies ornamentais que não foram originalmente pensadas com essa perspectiva de um aproveitamento. Então um dos principais pontos iniciais é você entender o potencial dessas espécies, caracterizá-las.  O IPT tem, estamos no fechamento desse convênio pra gente caracterizar essas espécies que a gente já identifica com alguns usos potenciais, e aí dependendo do perfil também da arborização urbana de cada município e de possíveis demandas… esse acho que é o ponto inicial. 

Tomás: É, acho que uma questão importante quando a gente fala em escala… Na verdade são três projetos que estão acontecendo simultaneamente, o que é muito bacana, porque um complementa o outro. 

O primeiro é aquele justamente do NUTAU que a gente de alguma forma deslumbrou a perspectiva de colocar na prática, que a gente chama de FAU SGA, que é a Superintendência de Gestão Ambiental da USP. E esse projeto trabalha a escala do campus universitário, então é esse projeto que de alguma forma a gente já tem alguns resultados de madeira serrada, temos aí 40 espécies… Olha a diversidade  de espécies, gente! Muito importante também colocar essa riqueza, desde madeiras mais moles, madeiras médias, madeiras mais resistentes que disparam uma série de potenciais usos. Essa potencialidade de uso também tem a parceria com IPT, isso é muito bacana a gente perceber. 

Então esse projeto FAU SGA, ele tem a perspectiva de analisar a cidade universitária, com possibilidade de reproduzir para os outros campi da USP (Ribeirão Preto, Bauru, Piracicaba também, que tem um enfoque na agronomia e engenharia florestal). 

O Dapoda, como já foi apontado, ele tem uma visão bastante empreendedora de ir além dos muros da universidade e propor um modelo de negócio voltado ao design – o design como norteador da valorização desses produtos ou desse material.

E tem um segundo projeto que nós também estamos iniciando. É um edital curto que é o USP Municípios e Cidades Sustentáveis. Esse é um edital interessante porque de alguma forma ele propõe o mapeamento de toda a rota tecnológica – quando a gente chama de rota tecnológica é desde a etapa de supressão, da poda da madeira; a parte de beneficiamento, secagem e tratamento, até a ponta final que é o design e arquitetura que de alguma forma dão uma resposta mais imediata. Esse edital tem a perspectiva de fazer um panorama geral dessa rota tecnológica para os municípios do estado de São Paulo. O que é bastante interessante do ponto de vista da gente mapear essas perspectivas de trabalho, de uso potencial para os municípios. Então essa perspectiva é muito promissora. E talvez aí o projeto Dapoda possa ser justamente a instituição, o negócio que possa acontecer do ponto de vista de mercado, de capacitação. Então talvez seja essa uma perspectiva interessante para o projeto Dapoda, no sentido de ser uma perspectiva mais empreendedora. 

Junto com isso, só pra finalizar a minha fala, o que acho que é importante perceber é que como estamos dentro da universidade, a perspectiva de pesquisa é muito bacana. Tem a parceria com o IPT, mas junto também tem iniciações científicas e mestrado acontecendo, principalmente com o desenho de projetos de sistemas construtivos com madeira. E aí a parceria com a arquitetura é muito importante, até o vinculo com o IAU de São Carlos também. Acho que é bem legal fazer essa relação com outros pesquisadores. Tem o laboratório de madeira da ESQ também que é um super parceiro e também a ESALQ… E outras duas pesquisas são na área de polímeros, que é muito legal também, porque um grande volume de poda vai pra trituração, e você utilizando uma resina sustentável à base, por exemplo, de mamona, você pode fazer componentes construtivos. 

Uma terceira linha, né Cyntia? Que também é interessante, que a Cyntia está coordenando é a biomimética, ou seja, você trabalhar com este material sob o viés da inserção do desenho na natureza. Então são perspectivas internas da universidade que estão acontecendo. Um grupo legal, um grupo que tá crescendo muito. Iniciamos com quatro alunos aí… o Tiago é pioneiro, o Caio também, mas agora já estamos com um grupo de 20 alunos. E a perspectiva, lógico, é de crescimento. 

Só para finalizar, em termos de escala, o que é nosso funil hoje, nossa demanda, o nosso gargalo, é justamente o processamento dessa madeira. Porque o material a gente tem, e a parte da prototipagem final dos produtos também é de fácil domínio porque é nossa área. Essa parte do meio, do processamento, que talvez seja o desafio maior para o grupo.

Tiago: E também, só pra comentar, que a gente falou que está com essas várias frentes e é bem interessante porque algumas coisas a gente tá trabalhando na prática e na teoria ao mesmo tempo. E as coisas vão se alimentando de um jeito bem interessante… Nesse projeto da Superintendência de Gestão Ambiental, que a gente chama de FAU SGA, a gente teve que correr para fazer a parte prática – e era, enfim, pandemia, agora no começo do ano – porque a poda estava sendo finalizada. Então a gente foi na USP, foi ver como é o processo de poda e tal. 

Tem uma coisa que a gente até viu que era um problema em outros lugares, nos EUA, é um problema que para você utilizar bem esse material, você não pode cortar a madeira de tronco e de galhos muito pequena… você tem um aproveitamento baixo. Mas as equipes que fazem a poda, eles não conseguem carregar, eles não têm equipamento para levar peças tão grandes assim. Então a gente percebeu que isso aqui é um problema mesmo. A gente até comentou com as equipes lá, que são terceirizadas e fazem a poda na USP, falando assim: “Ah, vocês podiam cortar um pouquinho maior assim, com um metro já tava bom.” Eles falaram “não, tudo bem, tudo bem! A gente corta!”. Aí a gente chegava lá no pátio e tava tudo pequenininho…. 

Léa: Vocês falam de um conceito de laboratório vivo. Acho que isso tem a ver com laboratório vivo? Vocês poderiam contar um pouco, explicar um pouco o que é esse conceito que vocês trabalham?

Caio: Laboratórios vivos, de um modo bem geral, são iniciativas que promovem uma série de atividades que visam a construção de uma rede de partes interessadas e a conexão dessas partes com eventuais parceiros, sejam públicos ou privados. E o conceito de “vivo”, nesse nome, ele quer dizer que são processos que ocorrem de modo contínuo e flexível, para que os diversos atores possam inovar e se fortalecer em conjunto. Então são processos que são construídos por todos os envolvidos e  num período de tempo extenso.  

E aí nesse sentido o Dapoda se apresenta como um empreendimento  que visa sintetizar essas ações que estão distribuídas ali na cadeia produtiva. Cada ator ali tem a sua especialidade e o seu olhar para o problema – desde o planejamento da arborização urbana, passando pelas atividades de poda, tratamento e aplicação desses resíduos – de modo a articular todos esses atores no sistema e também facilitar o diálogo entre esses por meio das competências das três grandes áreas do design:  o design gráfico, de produtos e de serviços. Então o Dapoda surge nesse  sentido, como um nó que pretende reunir essas diferentes  informações, sintetizar e identificar as melhores formas de disseminar por toda cadeia. Para que ela se alinhe e, como o Tiago falou: que a poda, quando ela for realizada, o galho não seja cortado de um jeito que inviabilize ou dificulte a sua aplicação em produtos de maior valor agregado. 

Então perceba que o Dapoda está se tornando um empreendimento, mas que ele não tá preocupado apenas com o desenvolvimento dos produtos com resíduo de poda, mas ele também está fundamentado nas noções de design sistêmico e da produção distribuída – que é realmente compartilhar esses processos com outros atores. A gente não pretende concentrar todas as atividades no Dapoda. É realmente de fortalecer em termos colaborativos os atores diferentes que se posicionam na cadeia. E conectar essas pessoas para sistematizar esse conhecimento e como adaptá-lo aos diferentes contextos em que pretende-se usar. Então acho que é um pouco isso a ideia de laboratório vivo…

Cyntia: Acho que nesse sentido que o Caio tava colocando, acho que o potencial do design é muito grande. Porque ao você mostrar, dar a resposta em termos de projeto, você sensibiliza, você traz essa cadeia. Hoje mesmo a gente viu isso um pouco. A gente tava conversando com um técnico da serraria da USP de manhã, né Tomás? E quando o Tomás mostrou o material e os resultados, sabe, da aplicação. Então você mostra, você sensibiliza. “Ah, esse galho que não tá aqui sendo usado pra nada, mas ele pode se transformar nesse produto”. Então a gente acredita nesse efeito potencial e como o Brian Dougherty naquele livro Design Gráfico Sustentável, ele fala do design de trás pra frente, de certa maneira, você tendo um resultado final promissor, a gente acha que ele tem a potencialidade de trazer os outros elos da cadeia. Então aquilo que o Tiago tava dizendo do galho cortado muito pequeno; quando você mostra um produto bacana, potencial, você estimula. “Ah, então vamos cortar de um jeito um pouco melhor porque ele vai possibilitar tal coisa”. Então sem você ver esse resultado final, fica às vezes muito difícil, mas esse design living lab tem essa característica de você então mostrar esses resultados e  você vai trazendo e vai podendo gerar resultados melhores. Tanto que a gente tem essa perspectiva de trazer os marceneiros junto nos workshops, pequenas marcenarias… de também trabalhar alguns workshops com as escolas técnicas, com os FabLabs livres de São Paulo, de tal maneira  que a gente vai trazendo essa cadeia pra trás. De trás pra frente, até chegar lá na arborização urbana. Para sensibilizar e repensar toda essa cadeia – um pouco assim…

Circularidade e a pergunta de ouro: e depois? 

Tomás: Uma outra perspectiva é perceber que a utilização da madeira das cidades diminui muito a questão da logística. Você tá colhendo ali, você tá fazendo a poda, o manejo que é necessário e, de alguma forma, aproveitando. Você não tá transportando a madeira que vem da Amazônia, ou de florestas plantadas. Você tá pegando matéria prima da própria cidade e utilizando em local próximo. Então tá fixando o carbono e também a parte logística se reduz muito. Então tem uma perspectiva muito bacana em relação a isso.

Tiago: Ô Tomás, e nem gastando gasolina para levar pro aterro sanitário fora da cidade. A ideia é também diminuir todo deslocamento no processo.

Caio: E ainda contribuindo para, eventualmente, amenizar a pressão sobre as florestas nativas, que é de onde vêm grande parte da madeira que é utilizada. 

E o Tomás estava falando da questão da identificação das madeiras. Isso é um ponto que eu acho muito importante no nosso trabalho, que é mostrar para a população o papel fundamental que as árvores no ambiente urbano exercem. Seus múltiplos benefícios para a saúde pública, estética… Porque a gente percebe que muitas vezes as árvores são percebidas como um problema a ser resolvido. Porque elas estão ali e foram mal planejadas, os equipamentos também foram mal planejados, a depender de onde as árvores estão localizadas. Então a população acaba enxergando essas árvores como potencial causador do problema. Então acho que ver essa cadeia desde o começo como: quais são as espécies mais adequadas para a urbanização urbana em São Paulo, tendo em vista que a gente tem esses e esses problemas, né? Como a gente pode usar essa madeira? Mostrar para a população esse potencial também tem esse fator empático de múltiplos níveis. 

Também uma de nossas ideias é ter um tipo de parceria com o Madeira Urbana, que já foi mencionado, que eles têm esse sistema de rastreabilidade da madeira. Então você tem o acompanhamento da poda, da supressão, até o produto final. Isso acho que também gera esse poder de que o usuário final, o consumidor, vai saber de onde veio aquilo. Ele veio pode ser de uma árvore que tá ali no bairro dele, foi tirado da rua dele… isso estimula esse sistema e as atividades correlatas que vão em prol dos princípios da economia circular. 

E aí a ideia do uso em cascata também, que é muito importante no Dapoda. Que não é só o material lenhoso, a madeira, mas os resíduos que podem vir a ser gerados no processamento para transformar em um objeto, em um móvel… As aparas. O que a gente pode fazer com isso? Então acho que o Dapoda também pretende, não só o Dapoda, mas esses outros projetos mencionados que estão em curso, pretendem investigar como aplicar, como dar o melhor uso para esse material. E a ideia dos compósitos, que o Tomás falou, é um caminho possível. Então as aparas ou os resíduos menores podem ser incorporados em estruturas que sirvam, por exemplo, pra construção civil. Então são caminhos muito interessantes e que partem de um material até então subutilizado.

Léa: E aí, Caio, nesse sentido da questão da cascata, mas nem só da questão da cascata… Quando a gente fala de economia circular do berço ao berço, a gente chama sempre essa pergunta do “e depois?” Então vocês estão usando um material que vem do ciclo biológico, né? Um nutriente biológico. E a nossa preocupação nessa pergunta do “e depois?” é, por exemplo: como vocês estão tratando essa madeira? Quais são as resinas, as colas, enfim, os aditivos, tintas? O que vocês estão acrescentando nessa madeira? Vocês têm um estudo…? Porque eu tenho muita dificuldade, eu e acho que a maioria das pessoas, em encontrar esses aditivos para o ciclo biológico. Justamente pensando num “e depois?” saudável. Para essa madeira, que é um material nutriente super nobre, continuar circulando de forma segura no ciclo biológico. Então eu queria saber se vocês têm esse pensamento também, se vocês buscam esse tipo de material quando vocês trabalham os produtos de vocês. E como que é essa busca. Porque eu tenho um percurso de dificuldade mesmo de achar produtos prontos que tenham esse pensamento.

Cyntia: Com certeza. Essa questão dos encaixes, na verdade, que tá um pouco no berço,  é um pouco o tema da que o Tiago vem desenvolvendo na iniciação também. Os sistemas de encaixe, dos acabamentos. A gente tem também dentro da USP o CIETEC, que é uma incubadora grande de empresas. E eles tem toda uma linha de empresas, startups, empresas incubadas com esse olhar de sustentabilidade. Têm uma delas chamada Adepol (ADP), se não me engano, desenvolve inclusive colas e resinas com esse enfoque. Mas é uma busca sim, sempre… Todos esses acabamentos, vernizes, colas, sistemas de encaixe, sistemas de união, que realmente possam… Claro, esse é um conceito fundamental pra gente.  É uma busca também. Por isso que o Tomás comentou ao desenvolver compósitos também buscar essas resinas que não sejam epóxi, etc. Com certeza. Essa é uma preocupação fundamental que a gente pretende divulgar também, junto com os produtos criados. É um princípio fundamental.

Caio: Acho que nesse sentido o IPT também vai nos auxiliar muito, na caracterização técnica desse material, que como já foi dito não são madeiras comerciais. Então ainda existem algumas lacunas em relação às suas características técnicas. Então também nesse sentido, entendendo melhor como essas madeiras funcionam, como elas podem ser trabalhadas, a gente pode identificar esses métodos de acabamento que sejam adequados a usos posteriores ou até mesmo à própria compostagem – que no modelo atual viria antes, não existe o produto.

Tomás: Acho que tem uma coisa muito importante que a gente vai analisar do ponto de vista dessa madeira é que é uma madeira que tem valor, ela tem local. É a madeira da minha praça, da minha rua… Então tem também uma questão, uma carga, um valor cultural bastante interessante. 

Em relação a processos a gente também tem uma perspectiva muito legal. E hoje acho que é uma coisa que tem que ser incorporada, em projetos e na produção, que é a fabricação digital. Ou seja, é um material natural, extremamente orgânico, mas que você pode processar com ferramentas que te dão um ótimo ganho, e baixa geração de resíduos no ponto de vista do processamento. 

O próprio processo de transformação da madeira é de baixo consumo energético, também uma perspectiva muito positiva, né? 

Acabamentos naturais: isso o mercado brasileiro ainda tem dificuldade. Então acho que é uma lacuna que a gente deve apontar. “Ah, mas tem vernizes à base d’água”. Tem, mas tem componentes ainda muito agressivos. Às vezes “Ah, eu vou usar só cera de abelha”. Pô, é um negócio extremamente artesanal e tal, mas tem perspectivas. Então talvez a produção que a gente tenha que focar, ou seja, desejável que o grupo direcione, talvez seja para pequenas produções. Não a produção em larga escala – neste momento. Depois até pode escalar. Mas talvez, nesse momento, pequenas marcenarias e pequenas comunidades. Então eu vejo uma coisa bastante interessante também esta possibilidade. 

Além do conceito do próprio design que passa pela modularidade, para um design da desmontagem, o design da montagem. Então tem conceitos também vinculados ao projeto do produto que a gente também… é legal de incorporar. Se a gente ver essa estante que tá atrás da Léa, é uma madeira processada, que é talvez um MDF, tem ali a ureia formaldeído que não volta para natureza. Não tem como voltar. Então isso, de alguma forma, a gente tem que discutir também. Que é difícil a grande indústria refletir, o mercado também. É muito mais fácil trabalhar com a madeira assim, já estabilizada, planificada e tal. Então esse processo realmente é um processo difícil, mas tem um valor. E acho que esse valor o design tem uma força muito grande para comunicar

Tiago: Queria só comentar: a gente, na parte prática, ainda estamos começando a entender esse material, mas uma das perspectivas de tratamento da madeira já desdobrada em tábuas, é a utilização de ozônio, se não me engano. Tem tratamento só com temperatura e pressão, condições ambientais aí que já evitam a maior parte das infestações por cupins e esse tipo de coisa. E ia comentar exatamente sobre as ceras e óleos naturais, Tomás, que, dependendo do uso, é bem impossível de fazer a utilização. E também uma coisa que não sei se ficou muito claro, mas uma perspectiva mais para frente, talvez quando a gente tiver esses produtos, é no próprio produto você ter uma identificação de qual madeira é, de onde veio. Um link, um QR code, por exemplo, alguma coisa que você consiga entender o que é aquilo. Como, de onde veio… para você entender o valor e se for descartar, ser um descarte que seja consciente da origem desse material.

Caio: Isso é uma coisa que eu tô pensando também esses dias. Eu acho que essa logística reversa do usuário final pro Dapoda quando não precisar, não quiser, ou um móvel se tornar inviável ao uso de retornar e a gente, de repente, a partir desse resíduo tentar criar um novo objeto para esse mesmo usuário. Acho que isso também a gente consegue criar um relacionamento com o cliente, com o consumidor, que vai além do produto inicialmente comprado. E aí estimula em múltiplos aspectos esse sistema que pode ser colaborativo – que seria ali um dos pilares da ideia do design aberto.

Pra quem e com quem?

Léa: Não sei qual é a fase do projeto em termos de negócios… Se vocês já estão comercializando os produtos de vocês…. se já estiverem, eu queria entender quem são esses consumidores e se eles têm essa percepção do valor que vocês estão trazendo para os produtos. E se não, se vocês fizeram uma pesquisa nesse sentido.

Caio: A gente tá numa fase que a gente está chamando de pré operacional, né? Que a gente está realmente focado aí nessas análises e pesquisas que em algum momento inclui essa identificação das demandas locais por produtos e serviços com esse material. Em seguida vem a fase de experimentação, de identificar quais são as possibilidades criativas com esse material e de identificar essas demandas locais. 

Realmente alinhar com essas nossas expectativas e o que a gente enxerga como valores e objetivos daqui pra frente. E isso eu tô falando do Dapoda, mas tem esses outros dois projetos em paralelo acontecendo dentro da universidade que também tem as suas demandas próprias do campus, esses resíduos podem ser usados para a fabricação de objetos dentro do campus. Então, agora a gente já está um pouco além. Como seriam esses objetos e esse público fora da universidade.

Cyntia: Eu ia só comentar que a gente tem dois tipos de público. A gente tem o público institucional, e no caso da USP isso. Então a gente tem esse consumidor final como o usuário… Porque a árvore no ambiente urbano, na prática, se ela está em uma área pública ela é um bem público. Então você tratar isso como um produto de venda no mercado é uma coisa ainda que a gente está verificando como isso é…. Então esse comprador do consumidor final é uma coisa ainda que a gente está indo com calma com relação a isso. Quais são as questões legais eventualmente envolvidas, uma vez que é um patrimônio, é um bem público. Então a gente vê esses dois públicos, essas duas perspectivas. Esse comprador institucional e também esse consumidor final. Mas tem esse lado que a gente, na interação com os órgãos ambientais e com a AMLURB, a gente pretende entender também como seria isso, como se daria essa negociação. Tem esse cuidado também que a gente precisa ter.

Caio: E além disso, tem uma observação de que nós enquanto uma equipe Dapoda, pensando na escala de São Paulo, nós não daríamos conta de manipular todo esse material. Então aí a gente volta para aquela questão das parcerias, da colaboração e como a gente pode encontrar um parceiro que desdobre, trabalhe, trate esse material  e a gente possa distribuir amostras e briefings pra eventuais parceiros, designers, estúdios, que eles também possam gerar soluções pra esses materiais. E acho que como a Cyntia mencionou que é um bem público, acho que esse olhar social vai estar sempre presente no Dapoda. E aí também volta a questão da capacitação e de estimular a geração de renda e, enfim, futuros empreendimentos associados a esse modelo. Então aí a ideia do sistema mesmo, de entender o potencial.

Isabella: Eu ia aprofundar justamente sobre isso, você puxou o fio sobre esses workshops de um cunho mais educacional, de capacitação, que vocês falam nas divulgações que tem um foco nessas comunidades mais vulneráveis. Se vocês pudessem só contar um pouquinho mais sobre essa questão social, como que uma comunidade poderia fazer parte do projeto e entrar nessa colaboração.

Tomás: Eu acho que é isso. Talvez seja um ponto fundamental que é justamente a extremidade, talvez, dessa cadeia que é a possibilidade de colocar esse material disponível para comunidades, fablabs e centros educacionais… Para, em um primeiro momento talvez seja esse o nosso papel, de desbravar essa trilha no sentido de formatar um jeito de usar o material, que pode ser serrado, pode ser torneado, pode ser em painéis. E aí passar isso. Então faz parte do nosso trabalho também, principalmente no edital USP Cidades Sustentáveis, apontar caminhos potenciais, junto com o IPT também nós temos esse papel. Por isso que eu acho que é legal esse formato fragmentado de produção, aí você consegue inserir esse material em pequenas marcenarias, em pequenas escolas, escolas técnicas. Isso eu acho que é um… Você acaba reproduzindo também o conhecimento e gerando emprego e capacitação. Então isso eu acho que também, além da questão ambiental do projeto, tem um olhar social muito adequado às cidades grandes, médias e cidades pequenas do Brasil. 

O projeto tem a complexidade que a gente conversou aqui, tem as rotas tecnológicas, parceiros super legais. Mas a essência do Dapoda e o projeto em si, ele é um projeto simpático. Acho que tem isso, né? Isso que a gente ouviu hoje, tem uma simpatia porque veja, a madeira de poda às vezes ela é desqualificada, é um tronco, é um galho que tá ali. Manoel de Barros já falava isso, o poeta né.  É qualquer coisa ali, mas que tem valor. E o design tem uma capacidade muito forte, talvez de reinventar. A Cyntia comentou, quando eu mostrei a imagem da madeira serrada para o carpinteiro, pro Zico, hoje cedo, o olho dele ficou assim, falou “nossa, aqui é uma goiabeira né?”. Toda já lixada e envernizada. Então essa perspectiva de mostrar o material acabado e com valor…. Um tronco que tá jogado ali num barranco. Quer dizer, essa força muito grande, esse potencial de renascer um material eu acho que também é interessante. Tem a sua poesia aí também no trabalho.

Prêmio no Desafio No Waste e visão de futuro 

Isa: A próxima pergunta seria esta questão do desafio em si, do No Waste Challenge da What Design Can Do. Parabéns de novo por terem sido escolhidos entre os projetos vencedores, representando o Brasil internacionalmente! E aí só queria saber como é que foi a experiência de participar do desafio e qual é a visão de futuro de vocês agora com o prêmio de financiamento, o programa de aceleração e qual é a visão de vocês tanto da economia circular, enfim, do No Waste Challenge no Brasil, quais são as principais oportunidades, quais os principais desafios para a nossa realidade, nosso contexto específico brasileiro.

Caio: Foi surpreendente em muitos aspectos porque a gente identificou essa oportunidade… Já tava ali quase no prazo para terminar as inscrições. E aí a gente foi realmente com muita vontade e conseguiu formalizar ali todos os documentos que precisavam ser enviados, o Tiago fez um vídeo na correria e a gente foi, todo mundo junto e misturado, fazendo isso acontecer. E foi tudo muito rápido acho que como a gente tava envolvido já com com a temática e com esses outros projetos em andamento, foi tudo muito natural… mas para mim, quando caiu a ficha de que tava ficando sério o projeto, foi quando nós passamos para segunda fase e que nós temos que conversar com os jurados e responder alguns questionamentos deles. Até então nós achávamos que seriam duas, três pessoas, mas a gente entrou na chamada e eram muitas e muitas pessoas. E foi em inglês a entrevista. E acho que foi aí que a gente se tocou que “nossa, a gente chegou em um ponto que se a gente ganhar vai ser algo bem incrível”. E aí a gente acabou ganhando, né? E as coisas que vieram depois disso, a visibilidade na mídia, o conhecimento dos outros finalistas também que tinham projetos muito incríveis… e a gente ficou honrado de ter sido escolhido entre todos os projetos que tinham um potencial imenso, então a gente ficou muito feliz mesmo por poder representar o país e esses projetos que não puderam chegar na final.

Cyntia: Então a gente acha que, como visão de futuro, a gente tem um potencial grande, né? No nosso país e nas áreas urbanas, de poder pensar a arborização urbana dentro dessa perspectiva. Claro que não é uma visão de futuro de curto prazo, a gente sabe que tem uma complexidade, mas também a gente sabe que tem esse potencial de se estruturar. e essas pequenas marcenarias tem uma dificuldade de trabalhar com madeira maciça, de encontrar esse material… então existe, de certa forma, uma demanda reprimida por um material como esse e as pessoas sabem né… Pau-Ferro, Jacarandá, Ipê… tem madeiras nobres aqui nas áreas urbanas, então você podendo trazer esse conceito, a gente acha que pode inclusive contribuir, esse tipo de trabalho como o nosso, para a difusão dos princípios da economia circular. A gente acha que é uma mote, sabe? Por que é diferente. É um material que está dentro do biociclo, é um material renovável, é um material que… A gente deseja que as cidades sejam mais arborizadas. E ao você ter uma cidade mais arborizada… a cobertura arbórea de uma cidade como São Paulo é muito pequena, quer dizer, ao você ter, vai ter muito mais material disponível.

Então a gente acha que ele tem esse potencial realmente de, como visão de futuro, de fortalecer esse conceito. A gente já comentou sobre isso, né Caio? Quem sabe as escolas também possam, inclusive as escolas estaduais, fazer um inventário arbóreo participativo. Porque a gente tem poucas cidades que tenham um inventário. Claro que a gente tem várias técnicas de geoprocessamento, mas a gente poderia também trazer essa ideia de um inventário participativo com as escolas particulares, estaduais, e aí você tem essa cidadania a partir da árvore, da arborização urbana, e a gente acha que esse projeto tem esse potencial de trazer esse conhecimento melhor das árvores, aí também desse uso e respeito e aí também estimular esse crescimento da arborização, que vai exigir essa gestão melhor. Um pouco essa circularidade aí com a árvore. Inclusive a gente também já… sabe essa coisa do conhecimento do Brasil?  Eu já circulei por vários lugares durante um período, fiz um trabalho no Amapá e tem o IEPA, instituto de pesquisa maravilhoso!  Pouca gente aqui conhece. Então a gente acha, extrapolando vocês que, além da questão da madeira em si, a gente tem aí a pata-de-vaca, a amoreira que você tem a possibilidade de usar as folhas, as sementes, resinas interessantíssimas… e quem sabe esse nosso projeto possa também a médio prazo ampliar ainda outras possibilidades de uso dessa riqueza que a gente tem nas árvores urbanas e é isso.

Léa: Então acho que pra fechar aqui, primeiro falar que adorei a conversa, adorei conhecer mais esse projeto. É realmente muito inspirador todo o percurso da pesquisa e agora de uma pequena startup que está começando, já ganhando um prêmio e todas essas conexões. É um projeto pequeno, mas muito grande, com intenções muito grandes! 

E aí falando um pouco da Ideia Circular, a gente tem um público de empreendedores, designers, arquitetos, artesãos, a gente tem educadores… e todos eles com muita vontade de transformar o mundo, de transitar para essa economia circular. E aí eu queria só que vocês passassem uma mensagem para eles, a partir dessa vivência que vocês tiveram, todos esses desafios que vocês estão enfrentando… o que vocês diriam para quem tá também começando agora? Uma dica, uma mensagem.

Caio: Acho que eu levantaria duas considerações. A primeira eu creio que a participação em concursos e editais voltados a temática da conservação ambiental e a tópicos correlatos seja essencial. Não apenas pela oportunidade de receber algum tipo de financiamento, que obviamente é importante e interessante, mas também pelo potencial de divulgação dessa proposta ou projeto e a identificação de iniciativas parecidas e contato com quem já atua na área. Isso é muito importante, tem sido demonstrado para gente, com o Dapoda tem sido assim. Nós temos conversado com projetos muito ricos e diversos, estabelecendo contatos que podem resultar em futuras parcerias e colaborações.  E, em segundo lugar, parafrasear o Ezio Manzini. Ele disse que nós estamos em um período de transição em que coabitam o modo de pensar e agir ainda prejudiciais ao sistema socioambiental e um outro que visa mudar o estado das coisas. Então é  nesse limiar que as experimentações e a geração de ideias inovadoras é importante. Então mesmo que não funcionem ou não se adequem a determinado local ou circunstâncias, elas ainda contribuem para estabelecer um repertório de experiências que podem ser aperfeiçoadas ou fundamentar outras alternativas, então acho que é isso.

Cyntia: Queria dizer também que a gente vive num país que tem muitas possibilidades, mesmo dentro do ambiente urbano, e que os desafios são muitos estimulantes, e acho muito importante a gente buscar esses caminhos a partir daquilo que a gente tem. Do nosso potencial e dos nossos recursos, ao invés de olhar essa perspectiva também colonial, que a gente tem, que se fala do decolonial também, do design decolonial. A importância de a gente olhar para o nosso potencial criativo, nosso potencial de recurso, mas olhar também com respeito. Não só a natureza como… com esse diálogo, ir entendendo. Como Tiago falou, a importância dessas parcerias e de ritmos que respeitem esse crescimento, essa reprodução da vida. Eu acho que ainda que a economia circular promova esse uso circular, a gente pensar nesse “e depois?” e nesse ritmo cuidadoso, é também muito importante. Para manter o fluxo, mas eventualmente pensar em fluxos… eventualmente não, necessariamente pensar em fluxos respeitosos, ritmos respeitosos. Eu diria também que acho que esse aspecto é importante. E agradecer muito essa oportunidade de estar com vocês aqui.

Tiago: Eu queria agradecer de novo a Léa e a Isabella. Oportunidade incrível, gente. Muito gostosa a conversa.

Errata: a autoria da foto ilustrou o post inicialmente na data 30/03/2022 não era de autoria do Dapoda, mas sim do Rodolpho Schmidt do Madeira Urbana

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