Perspectivas para a Economia Circular no Governo Federal – entrevista com Sissi Alves da Silva (MDIC)

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Foto de Sissi Alves da Silva, coordenadora geral de Bioeconomia e Economia Circular no Governo (MDIC)

Talvez você já esteja celebrando com a gente um marco importante de economia circular alcançado recentemente no governo: a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei 1874/2022, que institui a Política Nacional de Economia Circular.

Mas você sabia que, para além dos holofotes dessa conquista legislativa, existe um universo de iniciativas e esforços sendo desdobrados nos bastidores do Governo Federal? Todos convergindo para o mesmo objetivo: impulsionar a transição do Brasil para uma economia circular.

Para nos guiar por este panorama, ninguém melhor do que Sissi Alves da Silva, que lidera a Coordenação-Geral de Bioeconomia e Economia Circular, vinculada a uma das secretarias do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e vem ajudando a orquestrar todo esse movimento de promoção da economia circular no Governo.

Nossa jornada para essa entrevista começou em Salvador, durante o Fórum Nordeste de Economia Circular, onde Carla conheceu a Sissi, e ficou muito entusiasmada com as perspectivas e novidades que ela compartilhou. E é claro que corremos para convidá-la para esta conversa, não só para compreender os detalhes dessas iniciativas de economia circular do Governo, mas também para compartilhar essa alegria e inspiração com a nossa rede!

A entrevista foi gravada em fevereiro, no dia em que acabava de ser finalizado o resumo executivo (interno) da futura Estratégia Nacional de Economia Circular.  De lá pra cá, além de consumada a aprovação do PL 1874/2022, outros passos especiais foram dados. Incluindo o desejo que Sissi comenta, no final da entrevista, de ver a liderança feminina reconhecida e fortalecida neste processo – desejo colocado em prática a partir da proposta de um grupo de trabalho feminino, do qual a Ideia Circular tem a honra de participar, trazendo esse olhar para a Estratégia. 

A gente espera que você goste da conversa, e das perspectivas trazidas pela Sissi, neste mergulho nas políticas públicas e esforços coletivos que estão moldando o futuro circular do nosso país.

Você pode conferir a entrevista completa em vídeo logo abaixo, e a transcrição na sequência!

Transcrição

Carla: Carla aqui, para entrevistar Sissi Alves da Silva, que é coordenadora geral de Bioeconomia e Economia Circular no Departamento de Novas Economias da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Governo Federal (MDIC). 

Eu conheci a Sissi em Salvador, no Fórum Nordeste de Economia Circular. Eu fiquei muito feliz de ouvir algumas das coisas que ela compartilhou por lá… E quis que ela compartilhasse também aqui com o nosso público, que é muito interessado nesse tema de economia circular. Muita gente nem sabia da existência desse departamento, dessa coordenação específica de Economia Circular no Governo Federal. Então, estamos aqui para descobrir um pouco mais sobre isso.

Sissi, boa tarde! Muito obrigada pela disponibilidade de conversar com a gente. Talvez você possa começar contando um pouco sobre o Departamento de Novas Economias e sobre as atividades da Coordenação de Bioeconomia e Economia Circular, um pouco mais especificamente, pra gente entender um pouquinho.

Sobre a Secretaria de Economia Verde, Departamento de Novas Economias e diretrizes para o desenvolvimento industrial

Sissi: Carla, primeiro, é um prazer conversar com vocês e mostrar um pouco do trabalho que a gente está desenvolvendo aqui no Ministério. Também fiquei muito feliz de participar no Fórum e te conhecer. Eu já ouvia falar da Ideia Circular, e foi bem legal ter te conhecido e a gente já ter feito esse contato.

Então, a Secretaria de Economia Verde foi uma nova secretaria criada já no governo de transição, para que ela desse apoio e base a esse novo modelo de desenvolvimento industrial. Um modelo que agora esteja calcado também na sustentabilidade ambiental e na transição justa, para que a gente também veja o desenvolvimento social dentro das bases da nova industrialização.

Então, vocês podem perceber que na própria política Nova Indústria Brasil, há uma missão que é voltada para essa secretaria, que é a missão 5: bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energética para garantir os recursos para as gerações futuras. Então, foi pensado colocar essa Secretaria dentro do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) para que todas as políticas aqui agora sejam pensadas de forma a garantir a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento social. 

E dentro da Secretaria existe o Departamento de Novas Economias, que vai impulsionar essas novas economias, como, por exemplo, a Economia Verde em geral, a Economia de Impacto, nós temos nessa diretoria também a Estratégia Nacional de Negócios de Impacto, temos a Economia Circular e a Bioeconomia. Então, para vocês terem uma ideia de como a nova política industrial está sendo montada. 

Mas, todos esses ângulos que antes não eram vistos, eram vistos só o sucesso econômico, crescimento econômico, desenvolvimento produtivo. Hoje não basta só isso, porque com a emergência climática, nós temos que mudar o nosso modelo de produção e de consumo. Então, a SEV, que é a Secretaria de Economia Verde e Descarbonização, vem com esse intuito de conectar essas diretrizes de governo com o desenvolvimento industrial.

Trajetória da Sissi até chegar à coordenação de Economia Circular no Governo

Carla: Muito importante, é um super alento ver essa atenção. 

E conta um pouquinho, Sissi, da sua trajetória até chegar nesse cargo, e como tem sido esse primeiro ano de atuação?

Sissi: Eu sou engenheira eletricista com foco em telecomunicações. Então eu iniciei minha vida na iniciativa privada, trabalhando com telecom, em operadoras de telefonia. E eu gostava muito do que fazia. Mas com o tempo você vai crescendo, vai pensando em outras coisas e decidi ser mãe. (Porque eu pensei assim: “Eu tenho que falar nisso, porque foi muito importante para eu tomar essas decisões”.) 

E aí decidi ser mãe, me tornei mãe e comecei a ver que nós precisamos de um mundo melhor para criar os nossos filhos. Do jeito que está, não dá. E aí comecei a mudar. Então o meu mestrado foi já estudando biocombustíveis, o etanol e a competição no mercado de etanol e gasolina. Depois da iniciativa privada, trabalhei em outras áreas do governo, como no PAC, coordenei a implantação da TV Digital. Mas aí eu falei: “Não, é hora de ir para a área energética. Porque aí é a questão que nós precisamos resolver, né?” 

E foi quando surgiu o convite para vir para a Economia Verde. Eu estava sonhando em vir para cá ou para o MME (Ministério de Minas e Energia) para trabalhar com eficiência energética. Então, na minha cabeça, era eficiência energética, transição energética, energias renováveis, isso tudo. Mas quando cheguei aqui, me ofereceram essa coordenação geral que trabalha com outros temas também de economia verde. Mas aí veio também, nesse momento, o tema de Economia Circular. E aí eu comecei a estudar a economia circular. Quer dizer, não faz tanto tempo… Vocês são bem mais especialistas do que eu.

Mas o que eu posso dizer é que entrei em todos os cursos que pude no ano passado! E fui conversando com as pessoas, aprendendo sobre regeneração também. Porque a gente tem todo esse foco, como aqui a área é de Bioeconomia e Economia Circular do Governo, para que o nosso foco seja realmente mudança no modelo produtivo, com redução de resíduos, com a circularidade dos materiais, mas também com regeneração da natureza. É onde a gente faz com que se encontre a bioeconomia e a economia circular, né? Já está até se falando por aí de Bioeconomia Circular. Porque percebo que a gente só consegue fazer as duas se encontrarem justamente no ponto sobre regeneração, que é o nosso, vamos dizer, o nosso objetivo maior. Que os sistemas se regenerem.

Então, assim, me apaixonei pelo tema… Até em época de férias, estudo loucamente sobre o assunto para chegar no ponto onde vocês já estão. Para tentar entender e fazer com que as nossas ações aqui de governo estejam bem direcionadas de acordo mesmo com o que é. Porque a gente vê que existem outras ações por aí que não fazem a mudança que a gente precisa com a Economia Circular. Existem algumas outras práticas de sustentabilidade, mas que não promovem a mudança do modelo. É só você tentar minimizar o problema da economia linear, mas não faz a mudança da economia linear. Então não resolve o nosso problema. 

Todos os dias, eu acordo de manhã e falo: “Qual a minha prioridade hoje? Ser uma boa mãe para o meu filho e salvar o planeta para ele”. Eu sei, é muito, mas é o meu moonshot. . [ obs: termo que poderia ser traduzido como “voo à lua”, usado para qualificar projetos que buscam resolver grandes problemas com soluções radicais e inovadoras ]

Carla: Que lindo! E é incrível, né? Eu estava entrevistando a Liu outro dia, do Fórum, e ela também falou de como a maternidade fez parte dessa trajetória dela, na escolha dos trabalhos. Na minha também… Eu acho que isso é muito presente para as mulheres que trabalham com isso. E bem-vinda ao clube de quem não para de estudar Economia Circular e fica obcecada! 

E eu acho interessante isso, que tem todas essas economias: tem a Bioeconomia, Economia Verde… Na verdade, na nossa visão de Economia Circular – é que a gente escolheu essa linha do circular. Mas, para a gente, isso abarca muito tudo isso, né. Você tem, pensando o ciclo biológico, toda a ideia da Bioeconomia de usar esses novos insumos. Enfim, pra gente, tem uma metáfora muito grande do circular, que é uma transformação mesmo mental muito legal, e que abraça todas essas novas economias.  Essa proposta regenerativa, que é pra gente olhar um pouquinho mais longe, é perfeito. Pra sair dessa estratégia de minimizar danos, de sustentar só o que a gente já tem, e que a gente já sabe que não sustenta a vida aqui, né? 

Sissi: Exato.

Carla: Isso é muito legal, muito lindo saber desse teu caminho. 

Novidades sobre Economia Circular no Governo Federal – entrada na Coalizão de EC  

Carla: E bom, eu queria muito entrar nas novidades, nas boas coisas para a gente esperar. 

Em 2023, a gente teve alguns passos bem significativos do Governo Federal nesse compromisso com a transição para uma economia circular. Em setembro, o Brasil se juntou à Coalizão de Economia Circular para América Latina e Caribe, que foi criada em 2021, já tinha 16 países. O Brasil, acho que foi o 17.º na economia, e se eu não me engano, é o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria, do Comércio e Serviços, que é o representante do governo na Coalizão?

Sissi: Na verdade, nós estamos juntos com o MMA (Ministério do Meio Ambiente) representando o governo. Na verdade, eu vou até falar um pouquinho para vocês lá na frente, mas a gente está bem junto: MMA, Ministério da Fazenda e MDIC. E na coalizão, estamos em MDIC e MMA, representando o governo. Porque é muito importante. A gente sabe que outros países aqui da América do Sul já estão bem avançados. E a gente perdeu um pouco de tempo, né? O Chile já tem um roteiro de economia circular bem consolidado; a Colômbia e outros países da América Latina e Caribe, como Costa Rica. E a gente estava um pouco atrás.

Então a gente correu para ir atrás de tudo que pudesse fazer com que a gente impulsionasse esse tema. Porque a gente precisa de lições aprendidas. Então ver como o Chile fez, como a Colômbia fez, coisas que deram certo e não deram certo, vai fazer com que a gente pule algumas etapas. E conseguir o apoio dos outros países também é muito importante. Para mostrar como já está sendo feita toda essa mudança lá e o que a gente pode fazer aqui no Brasil, para melhorar a nossa economia.

Novidades sobre Economia Circular no Governo FederalPlano de Transformação Ecológica e Plano Nova Indústria Brasil

Carla: E a gente viu também que a Economia Circular foi um dos seis eixos do Plano de Transformação Ecológica que o Ministério da Fazenda anunciou em dezembro, na COP 28. E acho que no plano que você comentou de um objetivo de neo-industrialização do Plano Plurianual de 2024 a 2027, foi aprovado agora também em dezembro pelo Congresso.

Sissi: Tem no Plano Plurianual, e nós colocamos lá a estratégia de Economia Circular. Mas também tem no plano Nova Indústria Brasil, que foi lançado agora no início de janeiro pelo MDIC. Então, assim, a Economia Circular está nesses três grandes planos e outros. Mas esses três grandes: um que direciona a indústria, um que direciona a transformação até financeira, como esse plano da Fazenda. E o PPA, que é onde a gente coloca nossas metas, nossas entregas e nossos indicadores. Então, assim, está em vários lugares. 

Para você ter uma ideia, no plano Nova Indústria Brasil, um dos objetivos lá é fortalecer as cadeias produtivas baseadas na Economia Circular. Então, a gente está tentando pegar em todos os pontos. É por isso que eu digo: foi muito importante essa criação da secretaria aqui do MDIC, porque aí fica falando Indústria, Meio Ambiente, Fazenda. Entendeu? Pontos importantes. E ter entrado no plano de transformação ecológica é muito importante. Porque faz com que o Ministério da Fazenda, que olha as nossas finanças, que ele desde o começo esteja comprometido com tudo que a gente vai precisar para desenvolver a Economia Circular.

Porque nós vamos precisar de subsídios, nós vamos precisar de novas linhas de crédito, nós vamos precisar de novos instrumentos financeiros para propor novos modelos de negócio. Então, quando a gente junta Ministério do Meio Ambiente, MDIC e Fazenda, é um grande direcionamento do governo dizendo: “Nossa política industrial, ela vai respeitar o meio ambiente, mas ela também vai ter instrumentos financeiros para que sejam concretizados.” Eu acho que faz com que a gente veja que realmente o governo está comprometido com isso.

Rebote pós COP 28

Carla: Teve um rebote, também, na COP 28. Teve o plano de Transformação Ecológica, incrível, teve o discurso importante do Lula… Mas muitos ambientalistas ficaram bem chateados. Porque teve a questão de entrar na OPEP+, depois teve o leilão dos poços de exploração, que foi bem criticado. O tal leilão do fim do mundo, que está em cima de unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas. Então, pensando assim… Você que também vem dessa linha energética, dessa transição, como é que você vê isso? Essa mensagem talvez seja dupla, né? Está estimulando, mas é difícil se livrar dessa questão da exploração do petróleo. Não sei como você recebeu a notícia ou como que isso tem reverberado por aí.

Sissi: O que acontece? Você sabe muito bem: existem vários pensamentos distintos na população, e o governo governa para todos. E é muito difícil; são muitos bloquinhos com iniciativas, com interesses e com necessidades diferentes. Veja, pela situação atual, é muito difícil a gente, de cara, se desvincular do petróleo. Porque os outros vão continuar, né? Então, o que a gente tem que fazer? A gente tem que correr atrás para dar alternativas à população. Então, o que eu vejo do governo: Olha, a gente não pode chutar a escada, quer dizer, detonar políticas ou setores que já estão consolidados e que a gente realmente precisa deles, até para promover o desenvolvimento social. Mas o que a gente vai correr? Correr rápido em paralelo para oferecer alternativas a isso. 

Porque eu não tenho dúvida nenhuma de que, em termos de Bioeconomia, de Economia Circular, em termos de bioinsumos, o Brasil pode chegar à frente desses outros países. Talvez seja a nossa vez de chegar à frente. Porque é um país rico: um país rico em bioinsumos, um país rico em natureza, que pode fornecer alternativas para que a gente mude, né? Saia de uma economia baseada em combustíveis fósseis, baseada naquele modelo “antigo” de extrair (antigo entre aspas, porque é o que ainda é feito na maioria das vezes), de extração, produção e descarte. Então, eu acho que o governo olha isso. Ele olha as várias necessidades, o que a gente tem atualmente, a nossa figura, como se fosse a fotografia atual, e tenta avançar em outros pontos para que a gente chegue, em algum momento, e consiga fazer a transição total, sendo bem realista.

Próximos capítulos: Política Nacional de Economia Circular e Estratégia Nacional de Economia Circular do Governo

Política Nacional de Economia Circular

Carla: E a gente também tá bem ansiosa esperando aprovarem esse Projeto de Lei 1874 de 2022, que é a Política Nacional de Economia Circular. Ela está no Senado desde julho de 2022, acho que começou a tramitação. Então, lá no Fórum você comentou que podia estar para ser aprovada, não sei se tem notícias disso [nota IC: O PL 1874 foi aprovado em 19/03/24, após a entrevista]. E a outra, um anúncio que a gente ficou muito feliz de ter essa esperança lá no Fórum, de que também tem um movimento para a criação de uma Estratégia Nacional de Economia Circular aí no Governo Federal. Então é isso que eu queria também dar essa palhinha, para você contar um pouquinho o que você sabe de como está esse movimento e o que a gente pode esperar agora para 2024.

Sissi: Eu acho que a gente pode esperar logo a aprovação do PL no Senado; foi um PL construído a várias mãos. Foi um PL que inovou. A gente vai dizer assim: “o conceito não está perfeito” ou “poderia melhorar um pouco mais aqui”. Mas veja, nós temos problemas até de conceituação de Economia Circular. Então, o PL vai dar o conceito, e vai dar as diretrizes. E isso foi feito a várias mãos: conseguiu o apoio da indústria, conseguiu o apoio do Governo, conseguiu o apoio de movimentos sociais, conseguiu o apoio de várias instituições que já trabalham com Economia Circular. Então, foi um trabalho de consenso. O PL 1874 é um grande trabalho de consenso. 

Estratégia Nacional de Economia Circular do Governo

E o que a gente está fazendo? A gente está, inclusive, usando o consenso que já foi feito nesse PL para começar a nossa estratégia nacional de Economia Circular. Porque se você for observar no PL, ele já diz que vão ser feitos planos setoriais e regionais e que vai haver um Fórum de Economia Circular com vários agentes do Governo e da sociedade civil. Então, o que a gente está fazendo? A gente já está correndo para não esperar pela tramitação nas casas, embora eu acredito que vai ser logo. Mas a gente já vai correndo e vai trabalhando de acordo com as diretrizes desse PL. 

Por exemplo, nós começamos desde novembro a trabalhar com a Fazenda. Eu comentei com vocês que tinha sido a nossa primeira reunião, agora a gente já tem um resumo executivo fechado. Esse resumo foi fechado com esses três órgãos e mais apoio do PNUMA e apoio da (Fundação) Ellen MacArthur. Nós fechamos hoje. E a ideia é que a gente vai mandar para outros órgãos de governo. Então é uma notícia assim, de primeira mão. 

Carla: Foi hoje, hoje? Olha que lindo!

Sissi: Hoje, hoje! Nós fechamos hoje. E eu estou super feliz, tanto que até nas minhas férias eu mexi nessa estratégia, de tão obcecada que eu estou por isso.

Carla: Ó: a entrevista vai provavelmente ao ar mais tarde. Mas pra registrar: hoje é dia 5 de fevereiro de 2024.

Sissi: Isso. Então, a gente vai encaminhar para os outros órgãos de Governo. E, futuramente, já encaminhar para a sociedade civil, fazer uma reunião com a sociedade civil para apresentar e pegar contribuições. Então, assim, vai ser um plano construído a várias mãos, tanto do Governo, sociedade civil, indústria, quanto de instituições que trabalham com o assunto, porque ele abrange vários eixos: A parte de regulação em ambiente normativo institucional favorável à Economia Circular; o estímulo ao redesenho circular da produção; gerenciamento de recursos e preservação do valor dos materiais; instrumentos financeiros e financiamento da Economia Circular; inovação, cultura, educação e geração de competências; articulação interfederativa e envolvimento dos trabalhadores da Economia Circular.

Porque, você sabe, se todo mundo não se envolver, não há mudança no modelo produtivo e no modelo de consumo. Então, todo mundo tem que estar envolvido para a gente realmente fazer com que as pessoas, as entidades e as empresas se comprometam com essa mudança. Porque fácil não é…

Carla: Com certeza. Mas que ótimo. Mas me explica uma coisa: esse é o resumo executivo que vocês fecharam. E você está falando em um plano. O plano e estratégias são a mesma coisa ou são diferentes?

Sissi: Não, o plano é diferente. A estratégia diz mais ou menos quais são os eixos que a gente vai trabalhar, os objetivos, quais são as metas. E aí, a gente vai ter que descer em planos para cada setor, assim como diz o PL. Então, o primeiro plano que vai ser aprovado, provavelmente, não vai conter todos os setores, porque veja quantos setores nós temos… E não está definido ainda, porque a gente pretende definir quando conseguir agregar todos esses atores.

Veja, o resumo executivo é um norte de como a gente vai escrever os planos, baseado numa estratégia que tem eixos, diretrizes e macro objetivos. E aí cada plano vai obedecer essas diretrizes. E vão ser planos específicos. O PL prevê planos setoriais e regionais. Por isso que é muito importante o eixo que a gente colocou aqui de articulação interfederativa – porque a gente precisa envolver estados e municípios.

Envolvimento da sociedade civil e consultas públicas

Carla: E você falou em fazer consultas, envolver a sociedade civil… Nós estamos esperando há anos por esse momento, e é muito lindo de ver. Que bom que isso está na pauta do Governo. E na nossa rede aqui quem está assistindo, tem muita gente muito envolvida que tem contribuído, tem trabalhado por essa transformação. E que vai querer participar. Então como a gente pode participar dessa construção? Como a gente pode acompanhar, participar ou contribuir para isso?

Sissi: É, a gente nunca vai conseguir colocar numa mesa todas as entidades da sociedade civil. Por isso, vai ter a consulta pública, e todo mundo vai poder participar. Óbvio, aqueles atores que já estão envolvidos há muito tempo, entidades que já estão envolvidas há muito tempo, a gente já vai chamar para uma primeira reunião, para apresentar o plano e pedir colaborações iniciais. Depois, vai para a consulta pública, e aí o Brasil todo pode também colaborar. 

Carla: Dar pitaco… (rs)

Sissi: E eu me comprometo que a gente vai olhar cada contribuição com carinho.

Setores / próximos passos da estratégia de Economia Circular no Governo

Carla: Legal. Quais são os próximos passos, então, até lá?

Sissi: Envolver esses outros órgãos, porque a gente fechou agora só MMA, Fazenda e tal, envolver a sociedade civil inicialmente para colaborar com a estratégia inicial, com o plano inicial e depois enviar para consulta pública. Enviando para consulta pública a gente traça, consolida. E aí a gente já vai começar a implementar o plano nos setores que forem escolhidos. É um negócio assim, a gente vai começar com um setor, depois a gente já vai envolvendo outro setor. Tem uns setores que a gente sabe que são mais problemáticos que estão elencados, mas a gente ainda não tem essa definição.

Carla: Quais vocês acham que são os mais complicados?

Sissi: Tem aqueles mais intensivos em emissões, que a gente já sabe que são aço, siderurgia. Mas também tem esses outros que a gente está com muito foco, como, por exemplo, o setor de plásticos. Tem um tratado global de plásticos aí, que é um acordo vinculante que vai estabelecer metas para redução da poluição plástica. E tem muita Economia Circular lá, porque a gente só consegue reduzir a poluição plástica se a gente adotar um novo modelo produtivo. Então, não temos como fechar. Mas tem os setores mais intensivos em emissões.

Tem o setor de plásticos, que está muito em alta aí, todo mundo comentando sobre ele… Tem o setor de têxteis também. Quando eu vejo o Deserto do Atacama, as fotos, toda vez me dá vontade de chorar. Tem a construção civil, que é muito forte também. E tem ideias muito inovadoras, como vocês, da Ideia Circular. Então, assim, a gente vai, inclusive nessa nossa reunião com a sociedade civil, tentar entender também quais seriam os melhores caminhos.

Carla: E eu acho que também, fazendo essa ponte com a bioeconomia, o setor do agronegócio… O uso da terra no Brasil é uma das maiores contribuições, se não a maior, pras emissões. Então é um lugar que precisa ser olhado, né? Eu imagino.

Sissi: Isso.. Exato, sim.

Justiça Social e Economia Circular

Carla: Sissi, na sua opinião, como você vê que a Economia Circular pode, também, no nosso contexto brasileiro de tanta desigualdade social e econômica… Você acha que ela tem um potencial, desse olhar para ajudar a equilibrar essas injustiças climáticas? Porque a gente também vem falando muito sobre esse lugar, de como essas mudanças atingem diferentemente as populações do mundo e dentro do Brasil, né? Como você vê essa ligação, tanto entre esse olhar da Economia Circular no Governo, da descarbonização, mas também da justiça social, que eu sei que é um valor grande aí nessa gestão?

Sissi: Acho que tem várias perspectivas. Uma que a gente sabe…Só dando exemplo, a questão do aumento da temperatura, ela atinge muito mais as comunidades mais vulnerabilizadas. E a gente sabe que a Economia Circular, ela pode fazer com que a gente use menos energia, a gente gaste menos recursos e a gente faça uma produção mais eficiente, evitando desperdício. Então, isso já faz com que a gente consiga diminuir as emissões.

Eu fico pensando assim: eu vou andando, eu vou dirigindo o meu carro e, aqui em Brasília, tá muito quente, e aí eu ligo o ar condicionado. Mas eu fico morrendo de dó das pessoas… Porque se eu estou esfriando o meu carro, eu estou esquentando quem está lá fora, né? E mesmo lá em casa, no ar condicionado. Então, meu sonho é a gente fazer igual à Alemanha, que existe Berlim Circular, e tem toda essa parte de arquitetura também, que faz com que você não precise desses equipamentos. Você pode; tem todo um plano, você vai saber melhor do que eu, mas tem todo um plano urbanístico lá para fazer com que a temperatura baixe sem precisar usar ar condicionado, essas coisas. Porque isso também piora a situação de quem não tem acesso a esses equipamentos ou não pode nem pagar a conta de energia.

Então, nesse ponto, eu acho que a gente, melhorando, diminuindo os gases, atuando de forma que a gente consiga diminuir esse avanço em termos de temperatura, mas também a gente qualificando as pessoas para que elas tenham trabalhos mais dignos. Por exemplo, não existe em todos os países, mas aqui no Brasil a gente tem essa classe de trabalhadores que são os catadores de materiais reciclados e recicláveis.

Então, como é que a gente pode fazer com que essas pessoas tenham um trabalho mais digno? Como é que a gente pode fazer isso? A gente pode qualificá-los e capacitá-los para empregos mais qualificados. E como é que a gente pode fazer isso? A gente tem que trabalhar junto com a indústria para também fazer com que esses postos de trabalho sejam mais qualificados. E, ao mesmo tempo, quando a gente reduz os resíduos e transforma esses resíduos em resíduos totalmente recicláveis, por exemplo, os catadores, eles podem deixar de receber lixo. 

Não sei se você já visitou, mas eu já visitei cooperativas de catadores e ali eles recebem muito mais lixo do que material realmente que os possibilite vender para recicladores ou que os possibilite reciclar. Então, eu acho que tem pelo menos essas duas perspectivas. E a gente tentando diminuir essa possibilidade ou esse aumento desenfreado de temperatura, fazendo mudanças até urbanísticas, sempre focado na circularidade dos materiais e também em formação profissional mais qualificada e dando empregos, promovendo empregos mais qualificados.

E o lema é: “ninguém deve ser deixado para trás.” O lema do nosso desenvolvimento atual é: “ninguém pode ser deixado para trás”. Então a gente tem que fazer com que os mecanismos de produção, desenvolvimento e consumo se alterem para uma lógica circular, mas trazendo todos os atores. E é por isso que, na estratégia, a gente vai envolver todos os atores que fazem parte das cadeias produtivas. Para que eles andem conjuntamente, para que eles caminhem para uma lógica circular e mais qualificada conjuntamente.

Carla: E os catadores e catadoras são grandes atores, inclusive, dessa transformação no Brasil. Acho que praticamente tudo o que é reciclado passa pelas mãos das cooperativas, mesmo quando é recolhido por empresas privadas. E a gente tem muitos catadores também na nossa rede, que são especialistas em circularidade na prática. Porque são eles que sabem o que realmente recicla, por quanto se vende, né? E ainda fica muito a mercê das condições desse mercado, do valor, de um preconceito muito grande, e eles estão prestando um grande serviço ambiental. Temos uma entrevista no blog com o Bispo Catador, já de algum tempo, eu vou te mandar, se você não tiver visto. Mas assim, temos muitos catadores nas redes, que a gente faz questão também de incluir. Porque eles precisam ser ouvidos e precisam trazer, como especialistas mesmo que são, e serem pagos pelos serviços que eles prestam também.

Sissi: Isso, com certeza.

Programa Brasil Mais Sustentável

Carla: E na prática, Sissi, como você espera, assim, nós temos na rede muitos empreendedores, iniciativas, projetos grandes, pequenos, que tem já nesse DNA de querer contribuir nessa transição. Você acha que, não sei se na própria Secretaria da Economia Verde, na sua coordenação, ou nessa grande estratégia, você acha que isso muda alguma coisa? Se favorece essas pessoas, esses empreendimentos, o que as pessoas podem esperar?

Sissi: Olha, nós vamos lançar um programa chamado Brasil Mais Sustentável. Como é que ele funciona? A partir de empresas âncoras dos setores, por exemplo, uma grande empresa do setor de, sei lá, cosméticos, a gente quer envolvê-la nesse programa para que ela chame suas cadeias de fornecedores e a gente vá com consultores realizar diagnósticos de como está a circularidade e como está a eficiência energética dessas empresas. A partir do diagnóstico, os consultores farão um plano de ação, e essas medidas serão implementadas para aumentar a circularidade. Então, assim, eu acredito que isso vai fazer com que a gente expanda tanto o conhecimento da circularidade como também o mercado.

Porque, assim, existem muitas dúvidas ainda sobre o que é uma economia circular…O que não é… Então o programa vai tanto apoiar nisso, como também vai promover mudanças estruturais nessas empresas para que a gente promova a descarbonização, promova circularidade no uso da água, promova eficiência energética, promova melhoria em todos os aspectos, com enfoque na Economia Circular. Então, o MDIC, junto com seus grandes parceiros APEX, Sebrae, Senai, Sistema B, Ellen MacArthur, CNI, a gente vai tentar entrar nessas empresas e fazer uma mudança na forma produtiva.

Mulheres na Economia Circular

Carla: O que mais? O que você acha importante? Tem mais alguma coisa que você gostaria de trazer, de contar?

Sissi: O que eu tenho visto é que tem muitas mulheres envolvidas com a Economia Circular e, às vezes, elas não estão no topo da função. Então, eu gostaria muito de receber propostas de como a gente pode fazer com que essa estratégia também promova o trabalho feminino, de diversas formas: com capacitação, com mais reconhecimento, desenvolvimento profissional, com mais promoção na carreira. Então, assim, seria muito bom escutar isso de vocês, principalmente vocês que são bem inovadoras, né? Você e a Léa, pelo que eu já andei olhando no site, iniciaram, são mulheres, e tal. As catadoras também, 70% das dos catadores são mulheres, negras ou pardas. Então, eu acho que a gente tem uma força muito grande na economia circular de mulheres, e a gente tem que usar isso para promover a igualdade de gênero.

Carla: Com certeza. A gente estava conversando aqui um pouquinho antes de começar, né? E eu ia falar que eu… Tem um artigo lá no nosso blog, que é um artigo que fez muito sucesso, que eu escrevi, acho que, em 2019, no Dia da Mulher. De uma experiência que eu tive também num congresso em que eram só homens que foram chamados ali para falar, e eu participei da mesa de abertura, fiz essa provocação. Puxando, né? Tem muitas mulheres na liderança. A gente também.

Quando a gente abre uma turma de um curso nosso, já chegou a 95% ser mulher! Mas também porque nós somos mulheres, não sei se isso atrai. Você vê que as mulheres estão muito conectadas com essa pauta. Às vezes é 80%-20%, 90%-10%, mas a gente sempre tem maioria de mulheres nos cursos, e nas oficinas. E a própria ideia desse artigo que eu falei, se você quiser olhar…

Sissi: Quero olhar, sim!

Carla: Chama O Circular é Feminino. Falando um pouco disso, que é essa lógica, né? Essa lógica linear, ela tem muito uma lógica masculina. E o circular, tanto que você estava falando de ser mãe, dessa ideia de cuidar, de cuidar de um filho, cuidar da casa, cuidar das condições. E se você pensar que a eco-logia, eco-nomia: o eco é a casa também, nossa casa comum.

Então essa ideia de cuidar da nossa casa é uma lógica feminina. E acho que os homens também têm acesso a ela, então a gente precisa estimular os homens também a acessarem essa sabedoria! Mas as mulheres também, que às vezes estão muito presas numa mesma lógica mesmo, “Ah, pra ser promovida tem que ser assim, você tem que fazer assado.” Então, acabam entrando também as mulheres numa lógica muito masculina, às vezes muito linear. Então, acho que é esse o desafio para a gente conseguir se afirmar, se valorizar, né? Muito legal, eu vou adorar pensar isso junto com você, assim, como a gente pode oficializar e promover essa reflexão e essa ligação, esse estímulo mesmo às mulheres e ao trabalho feminino. Muito bom.

Sissi: Muito bom mesmo, então estamos juntas!

Conclusão

Carla: E muito bom te ver, muito bom saber que você está aí também, outra mulher maravilhosa, encampando e entrando no nosso time. Executando essas mudanças e que está tendo essa abertura para a Economia Circular aí no Governo, maravilhoso. As pessoas vão ficar muito felizes de saber. E muito obrigada Sissi, pelo seu tempo. Muito obrigada por ter conversado com a gente, acho que a gente ainda vai falar bastante.

Sissi: Sim, vamos. Esse é só o começo da nossa parceria.

Carla: E eu ia perguntar: e esse resumo executivo que foi acordado hoje? Tem algum lugar para a gente olhar, para a gente ter uma palhinha?

Sissi: Não, não. Ainda é só Governo. Foi acordado só entre o Ministério do Meio Ambiente, Fazenda, MDIC, a gente ainda vai passar por outros órgãos. Assim, para você ver, tem ações de Economia Circular acho que em pelo menos em 16 ministérios. Então, é uma tentativa também da gente deixar essas ações agruparem de forma mais eficiente.

Carla: Muito bom. Então a gente pode esperar novidades por aí nos próximos meses? Nas próximas semanas?

Sissi: Sim. Com certeza, com certeza. Novidades boas.

Carla: Então, estamos numa grande expectativa. Muito obrigada por ter conversado e a gente poder trazer essa palhinha aí também para quem está acompanhando a gente que tem muito interesse nesse assunto, tenho certeza que vai ficar muito feliz de saber que está tendo todo esse movimento para a Economia Circular aí no Governo.

Sissi: Eu que agradeço, agradeço o convite. Agradeço poder falar um pouco dos nossos trabalhos, porque às vezes as pessoas nem sabem o que a gente está fazendo aqui e a gente está fazendo com muita garra, com muita vontade. Nós realmente acreditamos nisso; eu tenho certeza que a Economia Circular pode fazer com que a gente mude, mude. A gente mude tudo que está acontecendo agora com o meio ambiente e acho que com a gente utilizando a Economia Circular como ferramenta, a gente consegue fazer mudanças eu acho que até de como a gente se relaciona com a natureza.

Carla: Sim, com certeza. É um outro olhar, um outro pressuposto mesmo, né? A gente se coloca num lugar bem mais de aprendizado do que de domínio. Porque a natureza tem um jeito tão inteligente de lidar com as coisas, de fazer os processos. 

Muito obrigada, Sissi! 

Sissi: Eu que agradeço.

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