Se a transição para um futuro circular é cercada por desafios, é de se imaginar que adotar ações para a economia circular em grandes empresas pode servir como inspiração e ajudar (e muito) a encontrar soluções globais que possam ser aplicadas a outras indústrias.
Um dos grandes desafios atuais, por exemplo, é a gestão do lixo eletrônico – ou em inglês, o e-waste. O lixo eletrônico é a categoria de resíduos sólidos perigosos que cresce mais rapidamente no mundo. Resolver este problema exigirá colaboração internacional destas grandes empresas.
Como por exemplo, incentivos econômicos que protejam a mão-de-obra e abordagens de gestão que enfrentem os impactos negativos sobre o meio ambiente e a saúde humana. É também uma oportunidade de unir valores da economia circular com a chamada indústria 4.0 e da Internet das Coisas, em que a indústria transita em direção a novos sistemas baseados na informatização digital.
Por isso, trouxemos dois exemplos da combinação da tecnologia 4.0 e economia circular em grandes empresas. Um diz respeito às iniciativas realizadas desde 2015 pela Schneider Electric, e outro ao projeto Google Circular, que foi publicado recentemente (junho de 2019).
Indústria 4.0 e economia circular em grandes empresas: o caso da Schneider Electric
A Schneider Electric é uma multinacional na área de produtos e serviços para distribuição de energia, controle e automação. A empresa está presente em 190 países, com mais de 200 fábricas e milhares de colaboradores. Possui quatro fábricas e 11 filiais comerciais apenas no Brasil.
Já há algum tempo, a empresa vem se preocupando em usar conteúdo reciclado e materiais recicláveis em seus produtos, prolongar a vida útil do produto através de leasing e introduzir sistemas de devolução em sua cadeia de suprimentos.
Desde 2015, a Schneider elabora um programa para a economia circular. Em 2018, ela publicou as suas ambições, que compreendem 4 eixos:
- Mais proposições de valor circular (mais energia como serviço, mais objetos conectados e serviços circulares relacionados)
- Mais Produtos Circulares (modernizar serviços; evitar o uso de novos recursos primários; promoção de capacidades de devolução)
- Mais recursos circulares (100% de produtos desenvolvidos a partir do eco-design; 75% dos produtos têm “Instruções Circulares de Fim de Vida” disponíveis digitalmente para reciclagem responsável; dobrar a quantidade de plásticos reciclados nos produtos até 2025)
- Cadeia de Suprimento Circular (ambição de 100% de papelão reciclado / certificado até 2020; 100% de embalagens recicladas ou de fontes sustentáveis até 2030; 200 fábricas direcionadas para serem Lixo Zero para aterros, com uma taxa de desvio de 95% de resíduos dos aterros, mais centros de devolução e reparo).
Graças à sua atuação, a empresa venceu em 2019 na categoria Multinacional o prêmio The Circulars 2019, uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial e do Fórum de Jovens Líderes Globais.
MySchneider
Os produtos da Schneider têm perfis ambientais digitais com informações claras sobre suas pegadas ecológicas e impacto ambiental. Os clientes podem acessar os dados por meio de um aplicativo chamado mySchneider.
Além disso, a Schneider trabalha com o modelo de cadeia de distribuição circular, com ações como logística reversa, centros de reparos, modernização e recondicionamento, tudo isso aliando a tecnologia de informação com a indústria. São atividades que servem como exemplo prático de aplicação de conceitos de indústria 4.0 e economia circular em grandes empresas.
A multinacional conta ainda com serviços para ajudar os clientes. Tanto a prolongar o tempo de vida útil de equipamentos elétricos antigos como atualizá-los para tecnologias mais recentes.
O que essas iniciativas geraram na prática para a Schneider Electric?
De acordo com o The Circulars, as atividades circulares da Schneider Electric respondem hoje por 12% de suas receitas. A empresa conseguirá evitar entre 2018 e 2020 o consumo de 100.000 toneladas de recursos primários. E em 2018 a empresa conseguiu evitar a emissão de 30 milhões de toneladas de CO2 por meio da renovação de equipamento existente (em edifícios, indústria, infraestruturas). Isso equivale a preservar uma área de cerca de 428 mil hectares de árvores. Ou quase 2 mil vezes a área do parque Ibirapuera.
Mais de 170 locais no mundo parceiros da Schneider já possuem a etiqueta da empresa chamada TZWL (Towards Zero Waste to Landfill – em português a tradução seria algo como Rumo ao Lixo Zero em Aterros) e reutilizam, atualmente, 94% dos seus resíduos.
Eles pretendem dobrar o uso de plásticos reciclados em seus produtos até 2025. Além disso, assumiram a meta de que 100% de seu papelão e paletes para embalagem de transporte devem vir de fontes recicladas ou certificadas até 2020.
Google Circular: outro caso de ações para a economia circular em grandes empresas
Além da Schneider Electric, a gigante Google anunciou o seu mergulho em ações para a economia circular. O objetivo é maximizar a reutilização de recursos em todas as operações, produtos e cadeias de suprimento.
Assim como possibilitar que outros possam fazer o mesmo. A empresa, além de desenhar um programa para aplicar a circularidade internamente, quer também influenciar e acelerar a transição. De forma a capacitar outras pessoas e empresas nesse sentido. Para isso, eles anunciaram o programa ‘Google Circular‘.
E aqui novamente, a indústria 4.0 e a informatização de dados vão colaborar para o direcionamento à economia circular. Para isso, a Google pretende entender tudo como “informação”. Ou seja, em vez de fardos de trigo e placas de metal, por exemplo, serão considerados trilhões de “bits” de dados correndo pelo planeta. E, considerando que resíduos de certas indústrias podem servir como insumos para outras, assim a Google vai poder conectá-los por meio de dados.
Com isso, a empresa sugere que pode alavancar escala, recursos e conhecimento tecnológico. A ideia é ajudar o mundo a circular os recursos. A circularidade orientada por dados pode acelerar a inovação e o crescimento. Ao mesmo tempo em que reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a extração de matérias-primas. Tudo isso enquanto gera valor ambiental, econômico e comunitário. Essa percepção de que é possível abordar o desperdício com a informatização é uma das principais estratégias do programa Google Circular.
Primeiros passos da Google Circular
Os princípios circulares que a Google publicou no mês passado, são:
1. Design circular
A circularidade deve ser incorporada ao design de seus produtos desde o início. Assim, as coisas criadas hoje possam se tornar os recursos do futuro. O projeto também deve eliminar os impactos negativos da atividade econômica que podem causar danos à saúde humana e aos sistemas naturais.
2. Manter produtos e materiais em uso
O uso efetivo de cada recurso da empresa deve ser estendido ao máximo, equilibrando assim segurança e qualidade. Maximizar o uso e a reutilização do produto ajuda inegavelmente a preservar a energia embutida, a mão-de-obra e os materiais, alem de reduzir o impacto ambiental. Os exemplos incluem: no ciclo técnico projetar para durabilidade, conserto, reutilização, remanufatura e, por fim, reciclagem. Para materiais biológicos, isso poderia significar o uso em cascata de subprodutos, antes que os nutrientes sejam devolvidos à biosfera.
3. Promover materiais saudáveis e química segura
Para manter os materiais fluindo no comércio por mais tempo, a Google se compromete a projetá-los para que sejam seguros para os sistemas humanos e ambientais. Afinal, a empresa sabe que não é possível mudar a química dos produtos depois que os colocam no mundo. Isso inclui fatores como a liberação de gases de efeito estufa, o uso de substâncias tóxicas e perigosas, assim como a poluição do ar, da terra e da água, e a deposição em aterro e incineração de resíduos.
O que a Google já faz?
A Google pretende mudar o próprio impacto aplicando em primeiro lugar esse pensamento de economia circular internamente. Eles assumiram o compromisso de incorporar ainda mais princípios de circularidade à sua infraestrutura, operações e produtos. Não só com as construções e gerência de servidores em data centers, mas também em como projetar produtos eletrônicos de consumo e como selecionar materiais que usam para construir e fornecer seus escritórios.
A própria empresa será usada como protótipo da hipótese de que um dos principais desafios de economia circular para evitar o desperdício são dados mal gerenciados. Eles dizem que vão compartilhar as descobertas com outras pessoas. Dentro do relatório da Google Circular, eles listam algumas das ações que já fazem ou têm como meta para os próximos anos. Eles dividiram essas ações em áreas-chave:
Data centers
A Google, em 2017, conseguiu evitar que 91% dos resíduos de suas operações de data center global fossem parar em aterros sanitários. A empresa reaproveita parte do material não só para novas operações, mas também revende equipamentos que não utiliza mais. A gigante sugere ainda a meta de atingir lixo zero em aterros para suas operações globais de data center, encontrando melhores opções de descarte.
Programa de Materiais Saudáveis
Locais de trabalho saudáveis e sustentáveis são parte da filosofia do grupo Google. Por exemplo, a Google tem desde 2012 o chamado Programa de Materiais Saudáveis. Baseado em conceitos como os do Cradle to Cradle, a empresa investe no conhecimento de materiais em produtos de construção civil e prioriza a utilização de materiais sem produtos químicos nocivos. Até o momento, o Programa de Materiais Saudáveis já foi implantado em mais de 8 milhões de metros quadrados de espaço de escritórios da Google pelo mundo, o que equivale a uma área mais de 880 estádios do Maracanã.
Projeto Bay View
O projeto Bay View da Google prevê o maior sistema de geo-energia na América do Norte. A ideia é que ele permitirá recuperar o calor residual dos prédios para ser usado no aquecimento de ambientes, ou seja, sem uso de combustível fóssil. A Google também reutiliza produtos como portas, armários, carpetes, azulejos e encanamentos em instalações, para que esses materiais tenham uma segunda vida.
Alimentos
Desde 2014, a Google já evitou que mais de 2 mil toneladas de alimentos fosse para aterros, por meio da parceria com a empresa Leanpath. A empresa fornece equipamentos para mensurar quantidades e rastrear o desperdício de alimentos, orientando profissionais das 197 cozinhas da Google em como utilizar os dados alimentícios para evitar o descarte.
Produtos eletrônicos
A Google tornou um objetivo da empresa aumentar a sustentabilidade e a circularidade dos produtos eletrônicos. Para acelerar a transição rumo a um futuro circular, eles já investem em produções a partir de materiais reciclados. Por exemplo, produtos como o Google Home e o Chromecast contêm partes entre 20% a 75% feitas de material plástico reciclado pós-consumo. Além disso, a empresa publicou em 2018 sua especificação de substâncias restritas. O documento serve primordialmente para garantir o uso de materiais mais seguros no portfólio de seus produtos.
A Google também já trabalha com mais de mil fornecedores que são de sua confiança. A empresa defende que essas parcerias são importantes para ativar os princípios de circularidade. Em resumo, é requisito para ser da confiança da Google que o fornecedor se baseie em tratamento ético e justo para os trabalhadores. Assim como que ofereça locais de trabalho seguros e saudáveis e uma menor pegada ambiental.
Para a Google, de acordo com o documento original em inglês publicado pela empresa, os princípios de circularidade orientarão suas escolhas e suas ações para fazer a transição rumo à economia circular. A educação, o debate e a interação serão necessários para incorporar os princípios de circularidade dentro da empresa.
O que significa a transição de grandes empresas de tecnologia para economia circular?
A indústria 4.0 e a possibilidade de aliar informações a mercadorias e materiais estão ampliando a escala, o alcance e a complexidade de soluções. Em suma, essas ações convergem com as demandas da economia circular. Empresas tecnológicas como a Schneider Electric e a Google, estão tomando a liderança para enfrentar os desafios ligados à circularidade. Elas aplicam e planejam otimizar os seus processos dentro das próprias empresas, além de facilitar que outras empresas e pessoas encontrem soluções para os muitos desafios existentes neste processo de transição para uma economia circular.