Se você se interessa em pensar a economia circular e a Agenda 2030 nas cidades, aqui vai encontrar algumas reflexões bastante interessantes! Neste post, vamos compartilhar os melhores momentos do evento “A economia circular na localização dos ODS nas cidades”, que a Ideia Circular ajudou a organizar como parte da iniciativa Circuito Urbano, promovida pelo ONU Habitat.
O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), criado em 1978, tem o objetivo de trabalhar em prol do desenvolvimento urbano social, econômico e ambientalmente sustentável.
Já a Agenda 2030 é um plano de ação global organizado pela ONU, e adotado por 193 países que agrega 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os objetivos são interconectados e abordam os principais desafios enfrentados globalmente, como acabar com a pobreza extrema, reduzir as desigualdades, e proteger os sistemas naturais de que dependemos.
Agenda 2030 nas cidades e Outubro Urbano
Anualmente, o ONU Habitat organiza o Outubro Urbano, uma série de eventos que se inicia com o Dia Mundial do Habitat e se encerra com o Dia Mundial das Cidades.
Em 2022, o tema da 5ª edição do Circuito Urbano foi “Localizando os ODS: não deixar ninguém e nenhum lugar para trás”. A programação contou com uma série de painéis sobre o tema, incluindo discussões sobre igualdade de gênero, habitação de interesse social e saberes ancestrais.
Nossas co-fundadoras Carla Tennenbaum e Léa Gejer marcaram presença no painel do dia 21 de outubro sobre “A economia circular na localização dos ODS nas cidades”. As apresentações giraram em torno do tema de desenvolvimento urbano sustentável, relacionando economia circular e a aplicação da Agenda 2030 nas cidades, para ressignificar a forma como lidamos com nossos resíduos e encontrar potencial econômico e de inclusão social nessa nova visão de futuro.
Você pode assistir abaixo a gravação integral do painel, e/ou ler na sequência um resumo sobre as discussões e apresentações de cada participante:
Economia circular e ODS da Agenda 2030 nas cidades
Os painelistas discutiram como o desenvolvimento urbano sustentável pode ser implementado através do pensamento do ciclo de vida e da economia circular em cidades. Ao adotar a economia circular, as cidades podem ressignificar a forma como lidam com seus resíduos, enxergando seu alto potencial econômico e de geração de renda e inclusão social (ODS 10) a partir de soluções adaptadas para as comunidades e bairros, ampliando a justiça climática nas áreas urbanas (ODS 11 e 12).
As cidades podem empregar os princípios de economia circular para obter resiliência urbana, sequestrar carbono através do uso de energia limpa e renovável (ODS 7), manter cursos hídricos (ODS 6) e proteger a biodiversidade local (ODS 14 e 15). Acoplada à economia circular, a Avaliação do Ciclo de Vida pode funcionar como uma forma de monitorar a circularidade dos processos de produção e consumo.
Assim, o objetivo do painel foi de compartilhar conhecimentos sobre a agenda 2030 nas cidades, e divulgar diferentes iniciativas de economia circular já colocadas em prática no Brasil nas mais diversas escalas.
A seguir você pode conferir um resumo das principais ideias apresentadas por cada painelista:
Abertura e moderação
Vanessa Gomes, Professora Associada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abriu o painel com comentários gerais sobre a relação entre desenvolvimento urbano sustentável, Economia Circular e Ciclo de Vida. Primeiramente, ela apresentou o sistema linear atual em que vivemos, onde há grandes extrações de matérias primas virgens e produção de resíduos, os quais são mal gerenciados em nossas cidades.
“Esse principal conceito da economia circular é mudar o uso de materiais de linear (uma linha reta da extração de materiais para o uso de produtos e aterros ou incineração) para um desenho circular, onde os materiais possam ser utilizados de novo, de novo e de novo perpetuamente. Isso é chamado de fechar ciclos de materiais”
Depois disso, ela apresentou os princípios da Economia Circular, mostrando a proposta de eliminação do conceito de lixo, uma vez que materiais podem circular repetidamente se tornando insumos para próximos ciclos. A Professora acredita que a Economia Circular seja uma visão inspiradora que pode guiar cidades a ressignificarem a forma como enxergam e lidam com seus resíduos, com potencial econômico de geração de renda e inclusão social.
“O conceito de economia circular se apoia em três grandes pilares. O principal deles é promover o uso sustentável de recursos e minimizar impactos ambientais. Tudo isso enquanto se cria mais valor para a sociedade, economia e empresas”
Cidades sustentáveis e o pensamento do ciclo de vida
Olivia Orquiza, Professora colaboradora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL), fez uma breve introdução sobre o contexto urbano mundial e a importância das cidades, e depois apresentou os princípios das cidades sustentáveis, soluções baseadas na natureza e o pensamento de Ciclo de Vida.
“A partir de 2008 a gente passou a ter no mundo mais de 50% das pessoas morando em cidades. Dez anos depois, em 2018, já tinha chegado a 55%. Então as cidades (ocupam hoje) 2% da superfície do planeta, mas (…) já temos um impacto ambiental absurdo que está concentrado na cidade”
Olívia definiu uma cidade sustentável como aquela que “oferece oportunidades agora sem colocar em risco as futuras gerações”, destacando como o coração do desenvolvimento urbano sustentável os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 9 (indústria, inovação e infraestrutura), 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e 13 (combate às alterações climáticas). Mas ela concluiu que o desenvolvimento de cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis acaba abraçando todos os ODS, já que os centros urbanos são espaços complexos que englobam pilares sociais, econômicos e ambientais.
Para colocar esses objetivos em prática, a painelista apresentou o conceito de serviços ecossistêmicos, fornecidos naturalmente pelo planeta, e as soluções baseadas na natureza, ferramentas inspiradas nesses serviços e processos naturais para aplicação nas cidades:
“Hoje em dia a gente já sabe que os serviços ecossistêmicos são essenciais para a nossa vida e de todos os seres vivos da Terra. Eles são os serviços que os ecossistemas nos dão de graça”
“(As soluções baseadas na natureza) são muito eficazes no sentido de contemplarem diversos ODS ao mesmo tempo. (Elas são definidas como) uma ação ou intervenção para proteger, gerir ou restaurar ecossistemas”
Por fim, ela concluiu sua participação no evento apresentando o conceito de pensamento do Ciclo de Vida, que traz uma consciência sobre a condição sistêmica dos processos de produção e consumo na nossa sociedade, e a Análise do Ciclo de Vida, uma ferramenta para entendimento e melhoria das diferentes etapas de um produto.
Nessa visão, começamos a entender todos os impactos sociais, econômicos e ambientais envolvidos na cadeia de produção das nossas coisas, pensando por exemplo em um lápis: desde sua origem na extração da matéria prima, passando pela fabricação e distribuição, uso e próximos ciclos deste produto.
Economia circular no design
Nossa co-fundadora Carla Tennenbaum começou destacando que, para transformar o atual sistema linear de produção, precisamos ir muito além do gerenciamento ou aproveitamento de resíduos.
“Se a gente trabalha só nessa ponta (gerenciando os resíduos, inventando o que fazer com eles) e não mexe no sistema como um todo, esses materiais vão continuar sendo extraídos, e esse resíduo vai continuar chegando. E a gente vai ter que fazer um malabarismo cada vez maior, sem resolver o problema na raiz”
Segundo ela, para tomar passos significativos de transformação rumo a uma economia circular, é necessário substituir a abordagem quantitativa tradicional das estratégias de sustentabilidade por uma abordagem qualitativa, que nos ajuda a formular intenções e projetar os efeitos que queremos ter no mundo. Assim, conseguimos ir além da minimização de danos, e planejar sistemas em que não existe desperdício.
“A gente fala no manifesto da Ideia Circular que mais do que reciclar o lixo, mais do que reduzir o lixo, a gente quer acabar com o conceito de lixo. Entendendo que o lixo é um erro de design“
Para isso, a Carla apresenta os três princípios do pensamento Cradle to Cradle, com foco na distinção entre o ciclo técnico e biológico. As diversas estratégias e oportunidades de design para esses ciclos foram ilustradas ao final da sua fala por estudos de caso nas mais diversas áreas e escalas: desde embalagens reutilizáveis (como as da Loop, Algramo e re.pote) ou biodegradáveis (como as da Cellugy e as da Oka) até produtos de limpeza (como a Yvy e Desembala) e produtos eletrônicos (como a Fairphone).
Economia circular em cidades
Nossa co-fundadora Léa Gejer seguiu a apresentação fazendo uma transição do pensamento circular da escala de produtos à arquitetura e cidades, contando sobre sua jornada profissional pessoal, seus desenvolvimentos acadêmicos, o contato com o livro Cradle to Cradle e a parceria com um de seus autores, o Prof. Michael Braungart.
“Eles (Michael Braungart e William McDonough) falavam que justamente essa questão econômica ambiental não tinha que ser pautada somente na gestão de resíduos ou na minimização de danos, lá no final, na ponta do sistema linear. Mas sim no início, então a gente tinha que desenhar produtos, projetos, edifícios e cidades desde o início, pensando o que ia acontecer depois, no próximo berço”
Entrando na escala das cidades, a Léa apresentou o conceito de metabolismo urbano, afirmando que atualmente se configura como linear, já que nas cidades entram água, energia e materiais e saídas, que são consumidos e usados, e saem na forma de resíduos e poluição. Ela reforçou os dados apresentados pela Olivia, mostrando a importância das cidades e seu potencial de transição para uma economia circular. Para isso, ela mostra como podemos repensar o metabolismo urbano em sua forma circular, com diminuição das entradas, e conversão e tratamento desses recursos – se inspirando na lógica circular da natureza.
“Ao pensar da mesma forma que os autores do Cradle to Cradle trazem, da lógica da natureza, a gente pode pensar em edifícios como árvores e cidades como florestas”
Para mostrar a economia circular aplicada na prática em diferentes escalas, a Léa trouxe alguns exemplos na área de arquitetura e cidades – começando pelo seu projeto da Casa Circular, um edifício desmontável, modular, reparável e atualizável em que cada material tem seu próximo ciclo já pensado e definido.
Ela também apresentou alguns estudos de caso de gestão de nutrientes dentro das cidades, como a Ciclo Orgânico, um serviço urbano de compostagem no Rio de Janeiro; a Revolução dos Baldinhos, um projeto de compostagem e hortas urbanas em Santa Catarina; e os biossistemas integrados do O Instituto Ambiental (OIA) de tratamento de efluentes domésticos.Por fim, a Léa comentou sobre a conexão entre economia circular e cidades no contexto ibero-americano a partir do projeto “Economia Circular como mecanismo inovador de implementação da Agenda 2030”, realizado pela Ideia Circular em parceria com a UCCI com as cidades de São Paulo, Bogotá, Buenos Aires e Montevidéu.
“A gente buscou entender o que é uma cidade circular e entendemos que existem 5 áreas chave que devem ser trabalhadas para o direcionamento dos esforços: indústria (ciclo técnico), bioeconomia (ciclo biológico), bem-estar e inclusão social, infraestrutura urbana e construção civil”
Ela contou como, nesse projeto, foram mapeadas as boas práticas já existentes nas quatro cidades participantes, com destaque para a iniciativa Red Moda Circular de Bogotá; o projeto Montevideo Más Verde; o BA Recicla, os eco-bairros e a Ley Marco de Economía Circular de Buenos Aires; e o projeto Ligue os Pontos de São Paulo.
A Léa finalizou sua participação destacando como os princípios e exemplos apresentados abordam diversos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), visualizando a economia circular como uma ferramenta importante para a sua implementação.
Economia circular e agricultura urbana
Mike Oliveira, especialista em economia circular com foco em alimentos e cidades e liderança na Social Gastronomy Movement, abriu sua fala com o tema da crise global da fome, que está relacionada a diferentes desafios e conflitos mundiais, com destaque para a pandemia do COVID-19 e a crise climática. Ele também comentou como o sistema alimentar atual é muito linear e mal distribuído, mostrando como o Brasil retornou ao Mapa da Fome, com 60 milhões de pessoas com insegurança alimentar.
“Isso está levando com que o nosso mundo hoje tenha aproximadamente 828 milhões de pessoas passando por alguma questão de insegurança alimentar. Ou o que a gente está vendo, que por conta da crise climática, (existem) muitos refugiados climáticos, muita migração climática, porque eu não consigo mais produzir alimentos em determinadas áreas”
Mike apresentou como a economia circular aplicada aos alimentos tem o potencial de reduzir as emissões globais de carbono, através de estratégias de eliminação de resíduos alimentares, compostagem e agricultura regenerativa.
Para isso, é preciso aplicar cultivar os alimentos de forma regenerativa e local, comercializar alimentos mais saudáveis e aproveitar os alimentos ao máximo. Ele também destrincha esses destinos possíveis dos alimentos em: criação de novos produtos alimentícios, insumos para a agricultura, novos materiais e energia.
“Eu vou aproveitar ao máximo esses alimentos. Eu não estou tratando alimento aqui como resíduo. Em uma economia circular eu não tenho resíduo, eu não tenho lixo. O lixo é um erro de design. Então eu estou tratando esses alimentos como alimentos. Eles podem ter destinos e um deles é servir de nutriente para que eu produza novos alimentos, por meio por exemplo da compostagem”
Ele apresentou o Ligue os Pontos da Prefeitura de São Paulo, um projeto de produção regenerativa dos alimentos que conecta os produtores da zona periurbana com estabelecimentos e escolas da zona urbana, e que fecha o ciclo dos alimentos através de pátios de compostagem.
“Além disso, foi criado um selo que chama Sampa Mais Rural. Então tem um site onde você consegue acompanhar quem são esses agricultores, onde eles estão, quais mercados eles vendem os produtos deles, como eu consigo apoiar políticas públicas ou iniciativas da região”
Por fim, ele mostrou exemplos de outras regiões, como uma horta urbana em Curitiba, um projeto de hortas verticais em Lisboa, Indoor Farmings em Pinheiros (São Paulo) e Nova York, os Rooftop Farmings, e as Community Farmings em Nova York e Rio de Janeiro. De forma geral, esses e outros exemplos da economia circular dos alimentos trazem melhora na qualidade de vida, acesso a alimentos, saúde, inclusão, senso de pertencimento, redução das emissões e soberania alimentar.
Economia circular e arborização urbana
A última painelista, a Professora da FAU-USP Cyntia Malaguti, compartilhou os projetos da universidade dentro do tema da arborização urbana e da madeira de poda, uma matéria-prima essencial para cidades sustentáveis.
“Os benefícios da arborização urbana: ela mitiga a formação de ilhas de calor, ela cria beleza cênica, favorece o IDH, evita deslizamentos e alagamentos, purifica o ar, reduz o ruído, protege a fauna, protege nascentes e propicia zonas de sombra”
A Professora começou apresentando o cenário da arborização na cidade de São Paulo, com dados sobre cobertura e distribuição arbórea pelos diferentes bairros e também número de quedas de árvores nos últimos anos. Isso para mostrar o contexto de resíduos arbóreos da cidade, seu processo de poda, remoção e destinação – sendo os principais deles: trituração e compostagem, venda em formato de lenha, e até envio para aterros sanitários.
Buscando melhores usos para essa madeira, o Poda Lab da USP surgiu para acompanhar processos de poda dentro e fora do Campus através da pesquisa, ensino e extensão e identificar potenciais produtos a partir desses resíduos da arborização urbana. Cyntia apresentou diferentes pesquisas acadêmicas da USP, dentre iniciações científicas, investigações sobre as propriedades da madeira e oficinas, além de experimentações de design no mundo todo dentro desse campo de estudo, mostrando como é possível dar destinos mais nobres a essa madeira de poda.
“Aqui em Guarulhos, do nosso lado, tem uma serralheria que fica debaixo de um viaduto na Marginal Tietê. Eles aproveitam a madeira urbana e geram uma economia para a Prefeitura, produzem mobiliário urbano, mobiliário para escolas, jogos educativos”
Ela deu destaque para o projeto Dapoda, um dos 16 vencedores do desafio internacional No Waste Challenge promovido pela What Design Can Do, que propõe a criação de produtos a partir de resíduos de poda das árvores urbanas.
Por fim, Cyntia comentou sobre a implementação da Agenda 2030 nas cidades, destacando os principais ODS abraçados por essas iniciativas: 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 9 (indústria, inovação e infraestrutura), 10 (redução das desigualdades), 11 (cidades e comunidades sustentáveis), 12 (consumo e produção responsáveis), 13 (ação contra a mudança global do clima) e 15 (vida terrestre).