Para entender o que é design circular, precisamos perceber como o design de produto ‘tradicional’ contribuiu para o desenvolvimento insustentável da economia linear, e o papel crucial de um novo olhar para o desenho industrial na transição para a economia circular.
Talvez por ser de origem estrangeira, no Brasil a palavra ‘design’ é muitas vezes mal-compreendida. Associada a móveis caros ou depilação de sobrancelhas, pode soar como algo supérfluo. Nada mais longe da verdade.
Segundo a designer e pesquisadora Mônica Moura, “Design significa ter e desenvolver um plano, um projeto, significa designar. É trabalhar com a intenção, com o cenário futuro, executando a concepção e o planejamento daquilo que virá a existir”. Mais sucintamente, nas palavras do pioneiro Alexandre Wollner: “design é projeto”.
O design como disciplina e profissão surgiu junto com a Revolução Industrial. Ele chega a partir da necessidade de um novo pensamento para a concepção e produção em massa, trazendo como principal benefício a ampliação do acesso a produtos e serviços.
Porém, os critérios usados para esse processo não incluem a valorização e recirculação dos recursos. Pelo contrário: a partir dos anos 30, num esforço de estimular a economia depois da Grande Depressão de 1929, designers passam a ser incumbidos de desenhar novos produtos a partir da obsolescência programada. Esta estratégia vigora até hoje, especialmente na indústria de eletrônicos. Isso significa que os produtos são projetados com a intenção de que se tornem obsoletos e sejam descartados e substituídos o mais rápido possível. A obsolescência pode ser funcional, como no caso de lâmpadas que têm sua vida útil reduzida pela substituição de materiais duráveis por outros de menor qualidade, ou impressoras programadas para parar de funcionar após certo número de impressões. E existe ainda a obsolescência percebida: criam-se novos modelos com mudanças de estilo, estimulando consumidores a desejar algo um pouco melhor ou mais novo, mesmo que seu produto ainda funcione perfeitamente.
Para além dessa estratégia intencional que estimula o desperdício e o consumismo, não é difícil perceber que o design atual não inclui o objetivo de recuperar o valor dos materiais e componentes de um objeto após o seu descarte. Em sua grande maioria, os produtos no mercado não foram desenhados para serem reutilizados, desmontados ou reciclados. A logística reversa desses produtos torna-se, então, inviável, seja por motivos técnicos ou financeiros. Por não terem sido concebidos com esse objetivo em mente, o processo de desmontagem danifica componentes e materiais, e a reciclagem se limita a uma subciclagem ou downcycle, resultando em materiais de qualidade e funcionalidade inferior.
No âmbito da saúde e segurança, o desenho industrial também deixa muito a desejar, com elementos tóxicos embutidos nas mais diversas linhas de produção.
Um exemplo são roupas de poliéster com antimônio em sua composição – um metal pesado potencialmente cancerígeno. Quando em contato contínuo com a pele, a substância causa irritação e alergia, podendo gerar problemas gastrointestinais e no sistema reprodutivo. E isso não é comunicado de forma clara ao consumidor. Ao comprar uma camiseta esportiva de poliéster, você não sabe que esses aditivos estavam incluídos e que seriam ou poderiam ser prejudiciais à sua própria saúde ou à saúde dos seus familiares.
A intenção do design na indústria atual se limita, assim, a criar um produto atraente que seja acessível às pessoas, siga as regulamentações, goze de desempenho suficiente ou aceitável e dure o bastante para atender às expectativas do mercado.
Mas isso não é suficiente.
Agora que temos consciência das consequências negativas desse modelo, e da economia linear como um todo, é fundamental mudarmos os critérios que definem um bom design.
Não podemos dizer que um produto é de boa qualidade se ele é tóxico para as pessoas ou para o planeta, e se os materiais usados na sua composição se transformam em lixo após o primeiro uso. Por isso, o desenho de produtos também precisa incluir critérios de circularidade e de saúde humana e ambiental.
Esse quadro é desafiador, mas traz uma enorme oportunidade de inovação através do design, em todas as indústrias.
Assim como os designers contribuíram para o desenvolvimento da economia linear, eles têm o potencial de liderar a transição para uma economia circular.
Se o lixo é um erro de design, o design circular é um elemento crucial para criarmos um mundo sem lixo.
Ou seja, um mundo em que produtos e sistemas são projetados para manter o valor dos recursos em circulação para as gerações futuras.
Em que, mais do que reduzir o impacto negativo de nossas atividades, podemos criar processos benéficos para os seres humanos e para a biosfera.
Os designers e fabricantes que quiserem se aventurar por este caminho não estarão sozinhos. Cada vez mais profissionais, empresas e organizações estão apostando neste modelo, e investigando os princípios que guiam a transição para um futuro circular.