Os desafios de definir economia circular – relato da Carla sobre a abertura do Fórum de Economia Circular das Américas

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Ken Alston, Kevin de Cuba, Carla Tennenbaum, Ken Webster e Mark Dorfman na abertura do Fórum de Economia Circular das Américas – CEFA 2018
Carla Tennenbaum no Fórum de Economia Circular das Américas
Carla Tennenbaum no Fórum de Economia Circular das Américas – foto de Marcos Perez

Desde que a Léa e eu criamos a Ideia Circular, em 2015, temos nos deparado continuamente com o desafio de definir economia circular de uma forma clara e efetiva. E, mais ainda, como comunicar essa ideia de uma forma que seja relevante e adaptada ao contexto brasileiro, tão diferente dos países de onde vem grande parte da pesquisa e produção sobre economia circular atualmente.

Por isso foi tão gratificante representar a Ideia Circular na plenária de abertura do Fórum de Economia Circular das Américas – CEFA 2018, que trazia como tema justamente os desafios de definir “Economia Circular”.

Naquela ocasião, tive a honra de falar ao lado de 3 convidados inspiradores:

Ken Webster, que atuou na Fundação Ellen MacArthur desde sua fundação como Diretor de Inovação. Mark Dorfman, químico sênior do Biomimicry Institute. E Ken Alston, que já foi CEO do MBDC, e atualmente é conselheiro sênior da CEP-Americas.

Quem mediou a sessão foi Kevin de Cuba, diretor da ASDF (Americas Sustainable Development Foundation), e idealizador tanto do CEFA quanto da Plataforma de Economia Circular das Américas.

desafios de definir economia circular - plenária de abertura do Fórum de Economia Circular das Américas
Ken Alston, Kevin de Cuba, Carla Tennenbaum, Ken Webster e Mark Dorfman na abertura do Fórum de Economia Circular das Américas – CEFA 2018

Sobre o Fórum

O Fórum de Economia Circular das Américas – CEFA 2018, aconteceu em Santiago, no Chile, em novembro de 2018. Esse foi o segundo encontro internacional promovido pela Plataforma de Economia Circular das Américas, da qual a Ideia Circular é parceira fundadora. Já o primeiro CEFA aconteceu em 2017, na Colômbia, e nosso colega Alexandre Fernandes compartilhou um pouco do que viu por lá aqui no blog.

Da mesma forma, venho aqui compartilhar com quem se interessa pelo assunto um pouco sobre essa discussão tão rica que aconteceu na abertura…

Da necessidade de uma visão macroeconômica à importância de “tropicalizar” a economia circular para nossa atuação no continente. E como nos mantermos motivados frente a tantos desafios!

Ken Webster – duas abordagens distintas

O primeiro convidado a falar foi Ken Webster. Como Diretor de Inovação da Fundação Ellen MacArthur nos últimos 9 anos, ele ajudou a conceitualizar e definir Economia Circular na forma como a conhecemos hoje.

Ken Webster é professor da Universidade de Exeter, e autor do livro Circular Economy: A Wealth of Flows. Aliás, soube por ele que esse livro está sendo traduzido para o português, e será lançado em breve! 🙂

Eu sou bastante fã de tudo que o que o Sr. Webster escreve, indo sempre um pouco além ou um pouco mais a fundo na reflexão sobre o que é a circularidade e como essa transformação vem se manifestando. E já tinha tido a oportunidade de assisti-lo e conversar um pouco com ele no Brasil em 2016, no evento de inauguração da parceria da USP como universidade pioneira junto à Fundação Ellen MacArthur.

Desta fala no CEFA, gostei especialmente da distinção que ele fez entre duas abordagens distintas da economia circular. Uma foca em circuitos fechados, em que as empresas controlam seus fluxos de materiais e componentes, e outra em circuitos abertos, à semelhança dos sistemas biológicos. Além disso, uma abordagem seria a de capturar valor, e reduzir custos através de economias de escala. Já na outra, circular valor, e otimizar o que já existe através de economias de escopo, ou diversidade. Segundo ele, as duas abordagens são viáveis e interessantes, dependendo do contexto, e podem ser complementares.

Confira no vídeo abaixo:

Mark Dorfman – química favorável à vida

Mark Dorfman, químico sênior do Biomimicry Institute, trouxe algumas considerações muito interessantes – além das imagens lindíssimas que sempre marcam presença nas apresentações sobre Biomimética.

Em primeiro lugar, ele observou que os organismos biológicos tendem a criar condições favoráveis à vida. Ou seja, não apenas eles não poluem, mas ajudam a purificar o seu entorno. Da mesma forma,  existe uma imensa variedade de materiais muito sofisticados, criados por organismos naturais a partir de alguns poucos elementos da tabela periódica, abundantes nos sistemas biológicos.  Em contraste, a indústria humana utiliza muito mais elementos químicos para criar matérias-primas menos efetivas ou inteligentes. E muitos desses são escassos, ou tóxicos.

A partir dessa constatação, o desafio seria como adotar soluções inspiradas na inteligência da natureza para os nossos processos industriais. Pode parecer difícil, mas segundo ele estamos nos aproximando de um momento bastante propício para esse desenvolvimento.
Confira:

Ken Alston – como definir economia circular

Ken Alston atuou por muitos anos como CEO da MBDC, empresa pioneira no desenvolvimento de produtos Cradle to Cradle (C2C) para companhias como Herman Miller, Method, Puma e C&A. Atualmente, é consultor para projetos internacionais de desenvolvimento sustentável e conselheiro da Plataforma de Economia Circular das Americas (CEP-Americas).

Em seu histórico do desenvolvimento do conceito de economia circular, Alston focou na abordagem Cradle to Cradle, que é também a principal inspiração metodológica da Ideia Circular.

Ele destacou que a economia circular inspirada no C2C não é uma mudança superficial. Pelo contrário, trata-se de um paradigma fundamentalmente diferente, que transforma como fazemos as coisas, e como habitamos o planeta. Mas que existem tantas visões distintas entre pessoas atuando na área, que não podemos imediatamente assumir que estamos falando da mesma coisa – por isso a relevância desse desafio de definir economia circular.

Da sua apresentação, só estranhei um pouco a proposta explícita de retomar o conceito de sustentabilidade como qualificador. Ou seja, não basta a economia ser circular se não for “sustentável”. Ora, isso é estranho vindo de quem por tantos anos trabalhou com os idealizadores da metodologia C2C, que desde o início provocava as pessoas e empresas a irem “além da sustentabilidade”… Mas esse é assunto para outro post!

Veja abaixo um pouco da apresentação do Ken Alston:

Carla Tennenbaum – como tropicalizar a economia circular

Eu fui a última a falar. Como era a única palestrante latino-americana da plenária, achei importante focar minha contribuição no nosso contexto. Ou ao menos no contexto brasileiro, que conheço, e que tem vários pontos em comum com outros países da América Latina.

Por isso organizei minha apresentação em torno da necessidade de “tropicalizar” a economia circular. Já que o termo nos chega do exterior, é importante que a gente encontre – ou construa – as nossas próprias traduções e experiências.

Então falei sobre a trajetória minha e da Léa nos últimos 5 anos, e desde que criamos a Ideia Circular para iniciar essa conversa no Brasil, com a intenção expressa de fomentar e divulgar iniciativas circulares brasileiras.  E sobre os desafios que temos enfrentado nesse processo de comunicar e definir a economia circular de forma que se aplique às nossas realidades locais.

Nesse sentido, destaquei uma conquista recente: o processo inovador de treinamento online que iniciamos em 2018, e que reuniu profissionais de várias áreas para discutir princípios efetivos de design circular e como aplicá-los em seus próprios projetos em direção a uma economia circular no – e do – Brasil.

Como contribuição ao tema da plenária, falei sobre a força da economia circular como metáfora. Isso explica a dificuldade em chegar a um consenso em torno de uma definição única. Já que, segundo D. McCloskey, “a tradução literal de uma metáfora importante nunca termina”.

Por fim, como única mulher da plenária, quis mencionar também a metáfora do circular como feminino – essa parte da apresentação teve bastante repercussão, e está detalhada em outro relato que você pode ler aqui.

Confira abaixo alguns trechos da minha apresentação:

Discussão

Ao final da plenária, tivemos um momento de discussão bastante rico. Ken Webster comentou sobre a necessidade de uma visão macroeconômica que apoie a transição para uma economia circular. Isso porque, segundo ele, o modelo neoclássico que ainda seguimos é mecânico, linear, e bastante “macho”. Assim, o ideal seria considerar não apenas os ciclos de materiais, mas também o ciclo monetário. E, relacionando com a minha fala, entender o que a metáfora circular representa nessa área, e como ela poderia transformar os sistemas macroeconômicos.

Ainda sobre esse assunto, Mark Dorfman também falou da necessidade de internalizar gastos com a contaminação do meio-ambiente e gastos com saúde pública decorrentes dos modelos atuais de produção. Dessa forma, podemos caminhar para um sistema econômico que favoreça inovações positivas.

Como se manter positivo?

Outro momento interessante foi quando uma pessoa na platéia perguntou como nós nos mantínhamos positivos, frente a tantos desafios. Esse é um assunto que me interessa bastante, e que nós sempre discutimos em nossos cursos e oficinas. Resumo abaixo um pouco do que cada um de nós trouxe como motivação.

Ken Alston disse que, fundamentalmente, ele acredita que a economia circular é algo possível. Isso se as pessoas decidirem, coletivamente, que esse é o caminho a seguir. E se forem cada vez mais vocais sobre o que desejam para o futuro, especialmente em relação ao que compram de seus fornecedores.

Já o Mark Dorfman disse que, se não tivesse esperança e otimismo, não conseguiria se levantar da cama… E que nos últimos 12 anos trabalhando com biomimética tem visto as pessoas cada vez mais interessadas e inspiradas por esse trabalho. E, ainda, que todos que trabalham com ele estão muito entusiasmados em aproveitar as oportunidades para transformar suas ideias em exemplos concretos de inovação positiva.

E para o Ken Webster, que viu a queda do muro de Berlin como uma transformação até pouco antes impensável, a motivação é saber do que a humanidade é capaz em momentos de crise. Justamente, a crise traz a oportunidade de mudanças significativas, maiores do que em momentos de estabilidade. E ele se mantém otimista em relação à nossa capacidade de mudar de rumo, e encontrar novos caminhos adequados aos tempos que vivemos.

Minha resposta

Até onde sabemos, essa crise é inédita. Quer dizer, é a primeira vez que temos, enquanto espécie, essa consciência de que todo o nosso sistema produtivo está “errado”. De que ele está destruindo as bases para nossa própria sobrevivência no planeta, e precisa ser transformado. E sentimentos negativos como medo, vergonha, e culpa são naturais. Mas não são nossos melhores guias.

Como diz Jonathan Dawson, esta é possivelmente a maior aventura da humanidade! Porque precisamos reinventar tudo – reinventar nossa forma de produzir, consumir, de viver no planeta. E isso me deixa muito entusiasmada… e feliz por estar viva para ver e contribuir com essa transformação! É claro que eu também sinto culpa, medo, raiva, em muitas ocasiões… Mas tento cultivar o sentimento de entusiasmo e oportunidade, e estimular esse mesmo sentimento em outras pessoas, falando sobre o futuro que queremos construir juntos.

E você? Como se mantém positivo/a?
Conte pra gente aqui nos comentários…

Convite

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Vamos falar sobre como ela se diferencia de outras abordagens convencionais de sustentabilidade. Algo além da minimização de danos, em direção a uma transformação positiva.

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