Catadores e Catadoras na Economia Circular – Entrevista com Bispo Catador

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Bispo Catador - catadores e catadoras na economia circular

Sergio da Silva Bispo, mais conhecido como Bispo Catador, é idealizador do coletivo de catadores Kombosa Seletiva, e vem apoiando a fundação e administração de diversas cooperativas de reciclagem em São Paulo. Além disso, há muitos anos ele vem comunicando sobre a importância dos catadores e catadoras como agentes ambientais que efetivam a economia circular.

Bispo tem uma história impressionante de superação e inovação, sempre ligada ao trabalho de separação e coleta de materiais recicláveis. Nascido em um lixão na Bahia, migra para São Paulo nos anos 80. Chega lá com pouco mais de 40 kg, e vive por muitos anos em situação de rua. Sobrevive da coleta de materiais, e sofre todo tipo de violências físicas e verbais de pessoas que não reconhecem sua humanidade e o valor do seu serviço como catador.

Nós nos conhecemos há mais de uma década, na Cooper Glicério, e nos reencontramos há alguns anos em um evento de mapeamento de iniciativas de economia circular. Lá, Bispo fez um discurso inspirado sobre a necessidade de incluir os catadores e catadoras nessa discussão, já que ele era o único representante da categoria presente, e não tinha sido oficialmente convidado.

Economia Circular no Brasil – a importância dos catadores e catadoras

A intenção da Ideia Circular, desde a sua criação, é discutir design e inovação para a economia circular no contexto brasileiro. Para isso, é fundamental ouvir os catadores e catadoras, e entender a sua contribuição inestimável para a circulação de materiais no Brasil. 

Em muitas cidades brasileiras, os catadores são os únicos agentes fazendo o trabalho de separação e encaminhamento dos resíduos. Segundo um estudo do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), eles são responsáveis por quase metade da coleta seletiva no Brasil. E, segundo dados do CEMPRE (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), 90% do material reciclado no Brasil em 2011 passava pelas mãos dos catadores.

No município de São Paulo, os catadores e catadoras manejam 100% de todo o material reciclável. Mesmo o material coletado por empresas concessionárias acaba sendo encaminhado para uma das cooperativas de catadores cadastradas, que são responsáveis pela triagem, armazenamento e venda de todo o material.

Apesar da sua enorme importância histórica e operacional para as cadeias produtivas e políticas públicas de gestão de resíduos sólidos, a maioria dos catadores ainda trabalha em condições frágeis e indignas, sem proteção trabalhista ou do poder público, e estigmatizados por quem não entende o valor do serviço que prestam.

Carla Tennenbaum e Bispo Catador no seu reencontro em 2018, em evento onde ele defende a importância dos catadores e catadoras na economia circular.

Inovação e superação

A história do Bispo tem vários exemplos dessa fragilidade. Mas também, e principalmente, exemplos de como ele conseguiu inovar e superar suas limitações, com muita garra e parcerias estratégicas. Desde quando, sem ter aprendido ainda a ler e escrever, ele redigiu a primeira ata como secretário da cooperativa que ajudou a fundar, e tirou a carteira de motorista que permitiu passar do carrinho à Kombi. E com a criação da Kombosa Seletiva, Bispo ajudou outros catadores e catadoras a tirarem suas cartas e adquirirem seus veículos, contando agora com uma pequena frota que atende 52 pontos de coleta seletiva na cidade de São Paulo.

Além dos materiais recicláveis, Bispo sempre quis “catar conhecimento, catar histórias”. O trabalho de conscientização e educação ambiental que ele vem realizando há anos busca compartilhar esse conhecimento e criar condições mais justas. Não apenas para si próprio, mas para os outros catadores e catadoras do coletivo, e também para as cooperativas que ele apoia e inspira em outras cidades do Brasil.

Nesta entrevista, você vai conhecer um pouco mais sobre essa trajetória impressionante, e sobre a visão particular do Bispo sobre a economia circular.

Economia Circular para além dos materiais

Para Bispo, o termo Economia Circular vai muito além da recuperação dos materiais. Quando diz que há mais de 50 anos os catadores fazem economia circular, fala tanto dessa valorização do que os outros chamavam de lixo, como também do princípio democrático, igualitário e cooperativista que norteia a organização dos coletivos de catadores e catadoras – das várias cooperativas locais ao Movimento Nacional dos Catadores.   

Pro Bispo, o circular é, antes de tudo, o contrário de centralizado. Circular também passa pelo respeito à diferença e pela construção de uma cadeia justa e colaborativa. Sua ideia é formar redes em torno dessa bandeira circular, para que todos possam aprender uns com os outros, misturando teoria e prática – e trabalhando juntos para criar um mundo melhor e mais justo para as futuras gerações.

Parte 1 – Da Bahia a São Paulo

Na primeira parte da entrevista, Bispo conta sobre a primeira parte da sua trajetória: do lixão da Cana-Brava, na Bahia, até as ruas do centro de São Paulo, onde conheceu a maldade e o preconceito com a sua condição.

“As pessoas me xingavam: vai trabalhar, vagabundo! O que é a palavra vagabundo? Eu não sabia. Se o que eu estava fazendo não era trabalho, o que era então?”

Parte 2 – Inovação e Criação da Kombosa

Na segunda parte, Bispo conta sobre o seu despertar para as questões sociais e ambientais no primeiro Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e do que isso o impulsionou a realizar. Da criação da primeira cooperativa, até a fundação da Kombosa Seletiva – ideia do seu neto, realizada com o apoio de parceiros e parceiras empenhados em fortalecer esse trabalho.

“Hoje eles podem saber: eu tirei carta de motorista sem saber ler e escrever”

Parte 3 – A Economia Circular dos catadores e catadoras

Na terceira parte da entrevista, Bispo fala sobre a sua visão da economia circular. Começando com a ideia das unidades de beneficiamento, e como os catadores e catadoras já vêm aplicando conceitos como a valorização e rastreabilidade dos resíduos, mas com a “palavra prática” deles. Ele aproveita para dar alguns conselhos para iniciativas e startups que queiram valorizar o trabalho dos catadores e catadoras na economia circular.

“A ideia das novas startups aí, dessa nova galera que tem esse entendimento mais da tecnologia e da inovação […] acho que é importante sentar junto com os catadores e catadoras né? Porque a gente pode ter umas ideias legais, e eles terem umas ideias legais. E a gente constrói aí um mercado mais justo e uma economia circular”.

Parte 4 – Olhar para o futuro

Na quarta parte da entrevista, Bispo continua com a crítica a iniciativas e startups de economia circular que não trazem os catadores e catadoras como parceiros em igualdade. O risco, segundo ele, é que essas iniciativas se tornem os “atravessadores do futuro”. “Esse tal de hype… tem ter hype pra todo mundo, não só hype pra uma meia dúzia!”. Ele conta também por que se apaixonou pela economia circular, no seu “semblante mais prático”. Além disso, fala da necessidade de uma educação também circular, e de sua disposição de participar do movimento, envolvendo todos os atores e setores de forma também circular e descentralizada.

“Vamos construir um movimento juntos aí… movimento Economia Circular Já! Com a participação de tudo: catadores, tecnologia, universidades, startup, empresas. Tem que ter a visão que o mundo vai continuar, não a gente acabar com ele.”

Você também pode ler abaixo a transcrição da entrevista!

Conta pra gente – e pro Bispo – nos comentários: o que você achou dessas ideias? Como podemos incluir e valorizar cada vez mais o trabalho e as ideias dos catadores e catadoras nos nossos projetos circulares?

(Parte 1)

C – Queria começar então te pedindo pra contar um pouco como foi essa trajetória até a criação da Kombosa. Se você puder contar um pouquinho para quem ainda não tem o prazer de te conhecer.

B – Legal, meu nome é Bispo catador, sou catador de material reciclável, a minha vida como catador começou desde pequeno. Eu nasci dentro de um lixão chamado Lixão da Canabrava, na Bahia. E lá eu muitas vezes já tava catando alguma coisa, mas aquilo ali, eu achava que eu tava brincando… Mas eu tava ajudando meu pai e minha mãe catar alguma coisa pra sobreviver.
E já dentro do aterro já existia uma questão da exploração do trabalho dos catadores e catadoras. Então, se você pegava um resíduo, você trocava por um pedaço de pão. Se você pegava um resíduo melhor, você trocava por um alimento melhor. E quando você não conseguia pegar nada, quando chegavam os caminhões de Salvador pra jogar todos os resíduos, os nossos pais e nossas mães acabavam catando alguma sobra de alguma coisa que vinha da cidade, dos grandes geradores. E acabavam melhorando um tempero dele, pra poder, primeiro, nos alimentar – e se sobrasse eles se alimentavam. 
Eu não conheci meu pai e minha mãe, eu tenho pouca fisionomia de como seria minha mãe, como seria o meu pai, se eu pareço com eles ou não… Mas o importante é que a gente tá aqui hoje, e outros catadores também conseguiram superar esse desafio de nascer dentro do lixão, e poder construir sua família, em outras realidades do país inteiro.

Cheguei em São Paulo, fui atendido por um projeto social do Franciscanos, e lá era um albergue, que ficava do lado da cooperativa hoje que tá instalada lá, o Glicério, que tá lá embaixo do viaduto. Também a permissão do judiciário, não tem apoio do poder público, passou várias gestões e não conseguiu dar permissão de uso da área – o nome técnico que eles falam.

Antes de eu chegar em São Paulo, né, que era a tal da cidade em que se ganhava dinheiro, que se construía família, o que que é isso né? Não fui pra escola, não aprendi a ler e escrever. Nasci dentro de uma ditadura, né, eu tenho 58 anos. Então nós catadores e catadoras já sofremos uma ditadura, mesmo sem saber ler e escrever, mas era uma ditadura que nos oprimia também. Acho que todo mundo tem direito a ter uma casa pra morar, ter um alimento, um café da manhã, um café da tarde. O básico de uma alimentação e tal.

Mas aí, fechou o aterro lá, e eu vim pra São Paulo. Demorei 80 dias a pé e de carona. E aí cheguei em São Paulo e fui atendido pelos franciscanos. E lá eu dormia, e ia pro projeto chamado Recifran – que existe até hoje, que trabalha com pessoas dependentes químicas, do álcool, questão de gênero, e lá fui aprendendo a trabalhar. Mas eu já tinha experiência como catador.

As pessoas passavam no aterro e diziam “ah, catador de lixo”. A gente não era catador de lixo, a gente era catador de material reciclável, que tava querendo catar alguma coisa pra ajudar os nossos pais. E aí na estrada a gente via o grande preconceito que a sociedade tinha. Muitas vezes eu não tinha nada pra comer. Eu ia na lixeira procurar um pedaço de pão e uma maçã, e as pessoas me xingavam: “Vai trabalhar, vagabundo!”. O que é a palavra “vagabundo”? Eu não sabia. Se o que eu estava fazendo não era trabalho, o que era? Vagabundo?

“A gente não era catador de lixo, a gente era catador de material reciclável”

Eu queria chegar na cidade de São Paulo. E aí muito cansado, muitas vezes sem comer, sem beber… Eu cheguei em São Paulo com 40 kilos, bastante desnutrido. Mas na minha passagem na estrada – 80 dias! – eu conheci pessoas boas, que me davam um pedaço de pão, um pouco de café, ou me levavam dentro da sua casa pra dormir na garagem, ou na sala, mas não me conheciam. Então não tinha essa maldade. A maldade fomos nós que construímos, o ser humano, através do gesto, do jeito de falar, a partir de um gesto, de falar: “vai trabalhar, vagabundo!”. Isso é um gesto de maldade, porque eu já tava trabalhando pra poder me alimentar, não tava fazendo nada errado. Quando eu ia catar alguma coisa, as pessoas me xingavam. Aí eu comecei a ficar com medo.

“A maldade fomos nós que construímos, o ser humano, através do gesto, do jeito de falar: ‘vai trabalhar, vagabundo!’”

Eu aprendi a ler e escrever depois, com meus filhos. Aprendo muito hoje com o meu neto – ele já tá no quinto ano da escola. Então ele ensina bastante coisa também. Pra mim foi bom, porque é uma realidade, ele me ensina como é ir pra uma escola. Eu tô me sentindo indo pra escola. Mas eu não consigo ir lá no pátio brincar, mas ele me explica essas coisas (se emociona).

C – Que história, Bispo, que forte né?

B- É… mas a gente supera. 

(Parte 2) 

E aí fui atendido pelos franciscanos, e fui convidado pra participar do primeiro Fórum Social Mundial. Dentro do projeto Recifran tinha que escolher alguém, e aí eu era um cara que sempre queria catar conhecimento, catar história… Eu pergunto muitas coisas, né. E aí me escolheram pra representar o projeto Recifran lá em Porto Alegre/RS, nem sabia o que era.

“Eu era um cara que sempre queria catar conhecimento, catar história…”

Aí fui pra lá, comecei a participar de algumas tendas, sobre mudanças climáticas, aquecimento global. Aí eu assisti um filme que chamava Tempos Modernos, que o cara só trabalha né?

Aí essas ideias começaram a borbulhar na minha cabeça, e aí eu pensei: Como dá pra gente mudar isso? Voltando para São Paulo, em 2006, foi criada a primeira cooperativa de catadores. Que é um modelo um pouco diferente, que trabalha com unidades de beneficiamento. Cada catador tem um espaço. 

E o que que é a cooperativa né? Tem a questão da economia circular… Se a gente for ver o contexto da história universal, nós catadores e catadoras já fazemos economia circular! Só que é uma palavra técnica que infelizmente a universidade, com exceção de algumas pessoas que nos orientam e explicam, mas o grande problema da universidade – aquele livro preto, bonito – fica muito lá dentro essa teoria. 

“Nós catadores e catadoras já fazemos economia circular!”

O que é mercado justo? A gente já faz né, quando você pega um grupo de catadores e catadores que cata um material e consegue vender por um preço melhor. E depois da venda você consegue tirar os custos operacionais – a gente nem sabia o que era isso, mas mesmo sem ter ido pra escola a gente já fazia isso. Aí formamos a cooperativa, e na primeira gestão eu fui escolhido como secretário. 

Secretário de cooperativa, né? O que é isso? Me deram um livro preto bonito – igual o da universidade – mas aí eu tinha que escrever naquele livro. 

Aí me deram o livro pra eu começar a fazer a ata. Só que eu não sabia ler e escrever. E já tinha ido para Porto Alegre, e já tinha visto um pessoal fazendo a ata. Eu sei que eles pegavam o livro e começavam a escrever, então eu disse “tudo bem galera, vamos começar”. E peguei o livro meio escondido, e aí fiz a reunião e a pauta […] Aí terminou e perguntaram: “E aí Bispo, terminou?”. “Ô pessoal, vocês me desculpem, eu vou levar pra casa que tive um problema e aí em casa eu vou deixar ela mais bonitinha pra registrar na segunda-feira”. Mas eu tinha guardado tudo na minha cabeça… Aí cheguei em casa, o meu filho que fez a ata, que eu guardei o nome de todo mundo e a pauta que tinha que ser discutida. Aí foi a minha primeira ata autodidata, sem saber ler e escrever! Mas eu fui aprendendo. 

“Foi a minha primeira ata autodidata, sem saber ler e escrever!”

E aí eu ajudei a criar várias cooperativas em São Paulo, no Brasil. Fui falando um pouco do meu trabalho, fui conhecido, me convidaram pra fazer palestras. E aí na coleta, eu pegava e aprendia muito com jornal, e um dia eu peguei um jornal de “valores econômicos”, e comecei a ler. 

Então eu cheguei pra um amigo e falei: Hoje na cidade tem uma lei, 14.983, dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da 12.305, tem que remunerar o trabalho dos catadores e catadoras pelos serviços prestados – educação ambiental e descarte correto. Aqui em São Paulo eles fizeram uma lei que quem produz acima de 200kg diário tem que contratar uma empresa.

E junto desse meu amigo a gente entrou no site, e viu que não tinha nenhuma cooperativa.  Naquela época tinham 49 empresas que faziam parte do cartel, mas não tinha nenhuma cooperativa. Hoje são 101 empresas – e realmente só meia dúzia de famílias que comandam todo o resíduo na cidade de São Paulo. 

Aí eu falei: Não tem nenhuma cooperativa por quê? Tem que formar uma empresa. Mas a gente não tem uma visão de empresa, do capital, a gente tem que formar um negócio que a gente possa mostrar que dá pra fazer também com os catadores e catadoras. 

“A gente tem que formar um negócio que a gente possa mostrar que dá pra fazer também com os catadores e catadoras”

Fui fazer coleta num restaurante que chamava Restaurante Mestiço, da dona Ina, e ela disse que queria contratar o meu trabalho. Só que você precisa de nota fiscal. E também, aqui é um restaurante grande, o seu carrinho não vai dar conta de tudo, você vai precisar de um veículo. Aí veio o segundo problema meu: pra ter um veículo eu tinha que tirar carta de motorista, e eu não sei ler e escrever.

Só que tinha uma cartilha do DETRAN, e eu comecei a estudar aquilo, e como eu andava muito na rua eu via as placas de entrar pra direita, esquerda, e quando eu via a placa eu olhava, prestava atenção, tentava decorar, ou perguntava pra alguém que tivesse passando. 

Aí eu fui, fiz a matrícula no DETRAN, e hoje eles podem saber: eu tirei carta de motorista sem saber ler e escrever.

O Mestiço falou: a gente vai contratar o seu serviço. Aí tinha que fazer um contrato de prestação de serviço. Como eu tenho bastante amigos, eles me orientaram. Mas tinha que emitir nota fiscal, e o grande problema das cooperativas no Brasil – porque não tem apoio técnico, não tem apoio jurídico. Nós catadores e catadoras não somos os culpados disso, porque eles criam um sistema, mas não orientam com assessoria técnica, assessoria jurídica. Não adianta, como eles dizem, você dar o peixe e não ensinar como pesca, depois como vende o peixe, como agrega valor ao peixe, como congela o peixe. Esse discurso de: “Eu te dou a vara para pescar, tá resolvido”. Não. Tem que fazer todo um processo, e a ideia desse processo é que depois que você aprender você pode passar pra frente.

“Não adianta, como eles dizem, você dar o peixe e não ensinar como pesca, depois como vende o peixe, como agrega valor ao peixe, como congela o peixe. Tem que fazer todo um processo, e a ideia desse processo é que depois que você aprender você pode passar pra frente.”

Aí tinha um amigo meu chamado Bruno Aga, da 8 ou 80, que é um designer. Então eu disse pra ele Bruno, eu cheguei em casa hoje e meu neto falou “Vô, você chega em casa muito cansado, por que você não compra uma Kombi pra fazer coleta seletiva?” E eu disse que não podia porque eu não sabia ler e escrever, e ele disse que me ajudava, mas ele era muito pequeno, tinha ainda 7, 8 anos. Aí no outro dia ele disse “Vovô, tive uma ideia, você vai comprar uma Kombi pra fazer coleta seletiva”. Ele deu a ideia! Kombosa Seletiva.

Aí agora eu precisava comprar uma Kombi, mas não tinha dinheiro pra comprar a Kombi. Aí nesse restaurante, Mestico, eu expliquei pra dona Ina, uma das donas do restaurante, que a gente queria prestar o serviço, só que não tinha uma Kombi, só o meu carrinho que era a minha ferramenta de trabalho. E ela disse: tá bom, vamos fazer um negócio assim: vamos fazer um contrato de 1 ano, você vai coletar todo o material aqui do restaurante, e aí ela acabou pegando esse veículo e me dando, e eu fiz todo esse gerenciamento. 

Então eu criei um MEI, e fomos crescendo, crescendo, e outros catadores que trabalhavam comigo no Glicério puxando carrinho, o Fabiano, me disse que queria também se profissionalizar, aí eu disse que primeiro ele tinha que tirar carta. E com o apoio de parceiros, e alguns institutos, eles conseguiram ajudar a tirar a carta de vários catadores e catadoras. E aí a Kombosa foi criando um corpo – hoje a gente atende 52 pontos de coleta na cidade. 

O dinheiro caía na conta da Kombosa, eu tirava todos os custos operacionais, e dividia pelas horas de trabalho – tem uma divisão por horas de trabalho e de produção, que são as formas de ter um sistema corporativo mais inclusivo e mais justo para todos. Não um ganha 10.000 o outro ganha 1000. O mesmo valor que alguém tem lá num escritório é o mesmo valor que alguém tem no chão de fábrica, ou na coleta na rua

Passou mais um tempo, e eu tive que me tornar ME. E aí a gente abriu mais ponto de coleta, prestação de serviço, vendia material, e avançamos na cadeia, de vender direto para as empresas, sem ter que passar por ferro-velho. E aí, cada sócio cooperado tem um MEI. Então a gente emite relatório também da tipologia – que é uma palavra da universidade, mas a gente vai mostrando que pode ser mais prático.

A Kombosa tem um modelo um pouco diferente, os carros não são meus. Então a gente comprou uma Kombi, e a Kombosa cresceu, eu passei aquela Kombi pro Fabiano pelo mesmo preço. Nós compramos 15 x de mil, o Fabiano vai pagar 15 x de mil, e aquela Kombi vai ser dele. Aí, cresceu mais e compramos uma Ducato 2007, que cabe mais resíduo. Aí, o Fabiano vendeu a Kombi para outro catador, o Adriano, em 15 x de mil. Eu vendi a Ducato, que eu comprei por 30 x de mil, para o Fabiano por 30 x de mil.

Então o carro não é meu, e a Kombosa nao vai ter a despesa dos carros, e o catador acaba tendo o carro dele, que ele pode usar para transporte dele e da família e tal. Aí crescemos mais e compramos uma Sprinter. Então a Ducato do Fabiano vai pra outro catador, que é o Alex. Então você pode ver que a nossa economia é circular mesmo, a gente não tem a visão de lucrar disso.

E semana passada nós adquirimos mais um veículo, que é um veículo 2018, e vai entrar outro catador ou catadora, que vai ficar com a Sprinter. E esse carro novo, a ideia é a gente fazer o cadastro dele na AMLURB, e para isso o carro tem que ter menos de 10 anos. Para coletar em restaurantes e condomínios – o reciclável né. 

Para a Kombosa, a nossa ideia era não existir lixo… porque pra nós o lixo não existe. E aí seria o mundo ideal, não é não Carla? Aí hoje a gente nem estaria aqui, e teria todo mundo uma boa alimentação, e uma boa casa, nossos filhos brincando aí na rua. 

Mas para que a gente possa fazer coleta em condomínios e colégios, precisa de um veículo registrado, então a gente vai ter um veículo de 2018 para fazer coleta, então vai ter 10 anos pra Kombosa crescer mais e mais e incluir outros catadores.

(Parte 3)

B – A ideia das unidades é: a gente catar um resíduo e agregar valor. Um exemplo: se a gente pegar um papelão hoje – que é o básico hoje. Apesar da cadeia de resíduo estar desesperada, porque não tem matéria prima. Eu não imaginaria que o ferro hoje consegue vender a 95 centavos o kg, para o intermediário. Imagina? Eu catava ferro a 1 centavo o kg, lá atrás. Mas o papelão, depois que você cata, você beneficia ele como? Você pegou uma caixa de papelão. Se ela estiver em bom estado, você pode vender para uma empresa que faz transporte. Tem uma empresa que sempre quer 20 de uma caixa padrão que nós pegamos em uma doceria, e dá para vender na média por 1, 2 reais a caixa. E eu vou vender o quilo do papelão hoje a 0,60. Mas às vezes compensa, então isso já é um beneficiamento. O exemplo do papelão. 

Então os catadores e catadoras vão tentando fazer essa economia circular mais na prática, mas na prática mesmo! Pra teoria entender que tem que ser os dois juntos.

As pessoas tem que entender que a gente vai lá, então precisa de máscara, luva, né? E aí quando é um grande gerador de resíduo, eles têm que ter um relatório – então a gente envia um relatório, envia nota fiscal. E aí tem o tal do “rastreamento” do resíduo. Aí nossa! Rastreamento, a palavra técnica. Mas a gente tenta fazer do jeito mais prático que a gente sabe. O rastreamento é o quê? Nós vamos na casa da Carla, pegamos a garrafa dela de vidro, trazemos para a cooperativa, a garrafa dela tem uma tampa de ferro, a gente vai tirar a tampa, vai separar na caçamba de ferro, que vai para a empresa que vai levar para a planta dele pra derreter, e o vidro a gente vai jogar na caçamba de vidro – o branco de um lado, o âmbar do outro. A gente também está fazendo a tal da rastreabilidade, mas do nosso jeito, e com a palavra prática nossa.

“A gente também está fazendo a tal da rastreabilidade, mas do nosso jeito, e com a palavra prática nossa.”

Então, a ideia das novas startups, dessa nova galera com esse entendimento mais da tecnologia de inovação, acho que antes deles começarem a pensar alguma coisa e fazer, que é importante sentar junto com os catadores e catadoras. Porque a gente pode ter umas ideias legais e eles terem umas ideias legais. E a gente constrói um mercado mais justo e uma economia circular. Não adianta já vir com as ideias – rastreabilidade, agora o tal do crédito de carbono – e a gente tentando fazer isso do nosso jeito, então vamos nos juntar né. A prática e a técnica.

Se a gente construir as coisas juntos é importante, porque se der certo, todos nós fizemos nossa parte. Mas se der errado também, nós podemos juntos descobrir onde foi o erro. Foi na logística? Na transformação? No design?

Porque a palavra lixo é um design mal-criado né? Acho que se lá atrás tivesse discutido com algum catador ou catadora seria outra palavra, seria “resíduos”.  

“Porque a palavra lixo é um design mal-criado né?”

C – Aproveitando, Bispo, que você falou disso, eu queria te perguntar. Você falou da economia circular que vocês já estão fazendo há um tempo. O que é para você economia circular? E por que você se aproximou desse movimento?

B – Eu acho que me aproximei – e tento sempre passar isso para todo mundo. Você pode ver que nos meus discursos, na internet, nas minhas redes eu sempre uso a palavra economia circular… Porque eu acho que é uma alternativa pra um mundo mais correto e mais justo. Porque circular é uma coisa que vai circular, e não vai ficar só centralizada. Vai circular e vai fortalecer o condomínio, vai fortalecer o catador, vai fortalecer a indústria, e tudo mais.

Eu acho que o mais importante que eu vi na Economia Circular, é que ela tem uma visão diferente do capital, que é só consumir, consumir e não tem alternativa. Vamos mais tirar recursos naturais. Não! Vamos cuidar, vamos tentar criar designs diferentes que repensem esse consumo. Foi algo que eu sempre tentei fazer, e quando eu te conheci vi essa moça falando de economia circular e pensei: Mas eu já faço isso! Não sabia que a palavra era economia circular, e já faço isso. E acabei me aproximando dessa palavra que me ensinaram. Que é isso: é circular, vai passar pela minha mão, vai passar pra outro, e pra outro. Mas respeitando que ela seja circular e não prejudique o planeta, não prejudique as futuras gerações. Que é a minha grande preocupação, eu tenho neto, as futuras gerações. O que que vai ser deles né? Se a gente já esgotou o planeta. A gente tá vendo né, hoje já fez 4 climas aqui onde eu moro, aqui no Cambuci: choveu, fez sol, fez frio, e agora esquentou de novo. 

O que a gente tá fazendo pra salvar o planeta, né? Porque um dia a gente vai partir, mas isso aqui vai ficar. E quem tem dinheiro vai pra a Lua, mas eu não quero ir pra a Lua! Eu nasci aqui, eu tenho que cuidar daqui. Ninguém quer ir pra lua! Eu quero cuidar de onde eu nasci, pras as futuras gerações poderem ser felizes também, como eu to conseguindo ser. Mesmo com alguma dificuldade, de perder muitos amigos, e essas questões. Muitos catadores estão hoje na rua, não tem uma máscara, nem álcool gel, não tem a valorização do seu trabalho. A empresa vem dar um vidro de álcool – mas valorize o trabalho dos catadores e catadoras, de mais de 50 anos.

“Porque um dia a gente vai partir, mas isso aqui vai ficar. E quem tem dinheiro vai pra a Lua, mas eu não quero ir pra a Lua! Eu nasci aqui, eu tenho que cuidar daqui.”

O que é valorizar? Reconhecer o trabalho dele, que ele tem direito de ter uma casa, os seus filhos na escola, uma máscara, uma luva, aprender essas palavras técnicas. Então, o sistema não é circular. Ele é centralizado em meia dúzia de famílias. Então, vamos circular isso, para que todas as famílias possam, todo mundo se respeitar. Porque o circular também é respeitar as diferenças. E aí a gente vai mudar muita coisa. Já tamo mudando, mas ainda dá pra mudar muito mais. 

(Parte 4)

C- Quando a gente conversou antes você fez essa provocação, que tem startups de Economia Circular que você chamou de “atravessadores do futuro”. Fala um pouco disso? Eu queria te ouvir, e também como a gente tem um público que quer trabalhar com isso e quer fazer diferente – como faz para não fazer a mesma coisa?

B – Como eu falei lá atrás, quando você tá dentro do aterro, você tinha que catar o resíduo e trocar pelo alimento. Aí você vem pra uma cidade grande, e tem o ferro-velho, que também é um cara explorado pelo sistema. Muitas pessoas podem pensar que ele é um atravessador do catador, mas ele é um intermediário. Claro que ele tem que ter um lucro, mas ele também precisa entender qual o lucro que ele precisa ter, e esse lucro o catador também tem que ter.

E aí hoje tem as tais das startups, e elas têm essa visão mais técnica. Mas elas tão fazendo o que o sistema faz errado. Que elas não discutem junto com os catadores né. O cara vai lá diz que tem uma startup e vai coletar todo o material e não vou cobrar nada do seu condomínio ou da sua empresa. Mas onde tá o lucro dele? Tem alguma coisa errada nessa conta, né?

Mas aí é que tá, ele sabe onde captar outros recursos, mas porque ele não ensina isso pra nós catadores e catadoras? Como a gente pode tentar captar recursos para tentar melhorar as condições do nosso trabalho.  a gente formar redes, e coletivos junto com as startups e os catadores, o trabalho das economias circulares. Como a gente agregar mais valores no resíduo.
Por isso que é importante as startups não virem só pegar o material – que é o que acontece hoje – e aí pagar a nota fiscal, legal. Mas eles estão pagando a nota fiscal por quê? Porque eles estão recebendo logística reversa, e crédito de carbono. Também vamos aprender a fazer isso juntos, não é? Para que nós catadores aprendermos a fazer essa logística reversa. Por isso que eu falo Economia Circular e mercado justo, senão, esse discurso aí de algumas dessas startups aí, é só teoria, na prática eles não tão fazendo nada além de pensar no seu quadrado.

Essa questão de pensar só no seu quadrado é super errada, a gente tem que pensar no quadrado todo, para que a gente possa cada um fazer a nossa parte, e ensinar pra quem tá ao nosso redor a fazer a parte deles, para que a gente tenha um futuro melhor e mais justo para as futuras gerações.

C – Eu acho também que tem essa questão do protagonismo, né Bispo, que os catadores têm esse protagonismo na coleta já há 50 anos, você não teria reciclagem no Brasil sem esse trabalho, e agora que começa a ter um “hype”, um valor nisso, você deixa de lado esse protagonismo, né?

B – Exato, é importante isso. Quando tem esse tal de “hype”, tem que ser “hype” para todo mundo, né? Não só para meia dúzia. Os catadores querem estar juntos nessa empreitada, com inovação, com tecnologia, com design, para criar novas alternativas. E poder criar uma melhoria de reaproveitar o resíduo, como se cria um layout, dá pra fazer bastante coisa, né?

C – Com layout você quer dizer o que, Bispo? 

B – Layout é a palavra técnica, você viu como confunde? Layout é como você, no seu espaço você consegue melhores condições. Por exemplo: chegou o material, esse material vai ser triado, como eu vou beneficiar ele, e como é a saída dele. 

Recentemente eu vendi uns resíduos eletrônicos para uma empresa grande, e chegando lá vai para uma mesa, e o layout seria essa divisão entre os diferentes tipos de resíduos.

C – A organização do espaço?

Isso, a organização. Mas eu falei layout e confundi a universidade! (risos)
Eu gosto de confundir a universidade, eles nos confundem há 50 anos, a gente tem que confundir eles também. Mas confundir de um jeito construtivo, para aprender.

Então como quem pega o resíduo somos nós, a gente vai ter que aprender como fazer para quando ele for para a indústria, ou quando for fazer a tal da Economia Circular – que é essa cadeia justa, e não a cadeia injusta – que a sociedade entenda isso, e ela vai pensar na hora de comprar.

Quando ela vai no mercado ela vai pensar: Nossa, essa embalagem aqui saiu da mão dos catadores, depois foi para uma economia circular, e tal. Eu ia pagar 50 nessa, mas se eu passar 60 na outra, eu estou quebrando uma cadeia injusta, e fortalecendo essa cadeia justa. Esse é o papel da Economia Circular, e por isso que eu me apaixonei por essa palavra. Que é o que eu já fazia há 50 anos.

Eu me identifiquei com a Economia Circular porque ela é bem prática. É técnica, mas ela tem, vamos dizer, um semblante mais prático. E a educação tem que ser circular também. A gente tem que levantar a bandeira, e criar o movimento Bandeira Circular. Porque tá difícil para todo lado. Enquanto não tiver circularidade, só estiver centralizado, vamos demorar.

A gente tem que começar cuidando, fazendo a nossa parte, e ensinando quem tá do nosso lado. Mas acho que o processo da cadeia é esse: Pensar em tudo junto. Na compra, no descarte, na volta para a indústria. Para a indústria pensar, não em um produto único, mas um produto que consiga armazenar todos os resíduos que eles produzem. É claro que a indústria quer vender um produto colorido, para chamar atenção, mas existem outras maneiras de chamar atenção e agregar valor ao seu produto. Porque todo mundo quer agregar valor, o mercado é esse. Mas a gente tem que pensar num mercado justo, em agregar valor em todas as partes.
Acho que já está avançando bastante, mas nesta tecnologia, ainda falta muito a inclusão dos catadores e catadoras. Tem muita coisa, mas os catadores e catadoras que são os tais dos protagonistas da história há mais de 50 anos têm que participar disso. Muitos já partiram, não conseguiram ver essa mudança. Avançamos… como um catador hoje consegue sair do seu carrinho, ter um carro, consegue prestar serviço, ser reconhecido pela sociedade, consegue fazer uma live, acho que isso é super importante. Já avançamos bastante, e a ideia é avançar mais pras futuras gerações.

Hoje através da Kombosa eu, o Fabiano, o Alex, o Vinícius, a Val, Lucineide, Eminéia, Maria, a gente consegue trabalhar menos. A gente vai de manhã pra cooperativa, quando dá meio-dia pára pra almoçar. Almoça, arruma o tal do layout um pouco, a organização, e depois vamos pra casa. Antes eu ficava trabalhando das 8 da manhã, de domingo a domingo, e trabalhava até as 10, 11 horas da noite. E tem muito catador que trabalha uma média de 12 horas.

Mas o importante é que não sou só eu, tem outros catadores que tão conseguindo também. E às vezes a minha fala, e o meu exemplo, que eu espero que seja um exemplo legal, ajuda as pessoas a fazerem também. E um dia quando eu partir dessa aqui pra um mundo melhor, acho que fiz a minha parte. Mas mesmo na partida, nesse outro lugar eu vou continuar fazendo coleta e Economia Circular lá. A gente nem sabe ainda… Acho que na Lua ainda não tem economia circular! Vamos fazer lá.

C – Mas já tem lixo… que o povo andou deixando lá.

B – É verdade. Então vamos fazer economia circular lá também (risos).

C – Bispo, muito obrigada, é muito inspirador te ouvir, essa história incrível de muito aprendizado, e muito trabalho, muita garra sua. Para chegar onde você chegou, e de estar trazendo esse conhecimento também para mais pessoas. Muito inspirador.

B – É isso aí, vamos construir junto o movimento Economia Circular Já!

C – Pra ontem!

B – Isso aí, pra ontem, porque nós já estamos atrasados. E com a participação de tudo: catadores, tecnologia, universidade, startups, empresas. Que tem que ter essa visão de que o mundo vai continuar, a gente tem que trabalhar pro mundo continuar. Não a gente acabar com ele. Pensar nas futuras gerações. Acho que é o mais importante de tudo, pensar nas futuras gerações. Eu fico muito preocupado né? 2021, mudanças climáticas, aquecimento global, chegando a 40 graus por dias. O que que vai ser das futuras gerações – as crianças, os filhos, os netos, os avôs, as mães. É muito triste pensar isso. O sofrimento, a dor – eu já sofri muito, eu sei bem o que é isso, sei o que é passar fome. Então eu fico muito preocupado com as futuras gerações, para que eles não sintam essa dor, essa fome, que é muito difícil superar isso. Mas a gente consegue.

C – E a sua é uma história muito linda de superação, Bispo. Parabéns e muito obrigada.

B – Obrigado. Valeu então!

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