Entrevista: Os bastidores da Política Nacional de Economia Circular

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Tiago Amaral Ciarallo. Foto de Rafael Nunes

Nesta entrevista exclusiva, conversamos com Tiago Amaral Ciarallo, assessor de Desenvolvimento Sustentável do senador Jaques Wagner, líder do governo no Senado e relator do Projeto de Lei (PL) 1874/2022, que institui a Política Nacional de Economia Circular. Tiago nos traz detalhes sobre a tramitação da lei no Senado e na Câmara dos Deputados, compartilhando insights valiosos sobre o processo de criação dessa legislação tão importante para o futuro do Brasil.

Ao longo da entrevista, Tiago aborda aspectos fundamentais da Política Nacional de Economia Circular, como a criação do Fórum Nacional de Economia Circular e do Plano Nacional de Economia Circular, instrumentos essenciais para a implementação efetiva da transição para a economia circular. Ele também explora a relação entre o PL 1874/2022 e a Estratégia Nacional de Economia Circular, destacando a importância de uma visão integrada e coesa para a transição rumo a um modelo econômico mais circular. Além disso, Tiago discute o papel dos incentivos fiscais previstos – e outros que não previstos – na lei, para estimular a adoção de práticas circulares por parte das empresas e da sociedade como um todo. Segue a entrevista completa e abaixo a sua transcrição.

Transcrição

Sobre a previsão e expectativas para a votação na Câmara. E como podemos influenciar a aprovação de lei

Carla: Oi gente. Estamos aqui com o Tiago Amaral Ciarallo, assessor do senador Jaques Wagner – que é o relator do PL 1874 de 2022, que institui a Política Nacional de Economia Circular. A gente já falou um pouquinho sobre ela, comemoramos em março que foi aprovada no Senado, e está na Câmara esperando aprovação. Então a gente achou que seria legal conversar com o Tiago para entender um pouco mais do projeto, entender em que pé que tá. 

Tiago, muito obrigada por poder falar com a gente. Sabemos que esse é um assunto bem importante pra gente, e pra todo mundo que acompanha e que trabalha pela economia circular no Brasil. O PL foi aprovado em março deste ano e está aguardando aprovação na Câmara. Então a gente queria saber, em primeiro lugar, antes de entrar um pouco mais no próprio projeto: tem alguma previsão ou expectativa de quando vai ter essa votação, e se você acha que vai ter alguma resistência ou dificuldade de aprovação na Câmara. E como que a gente pode influenciar ou ajudar a aprovação da lei nesse momento, se a gente pode fazer alguma coisa?

Tiago: Carla, feliz de estar aqui com vocês também para essa conversa. Eu sou o Tiago Amaral Ciarallo mesmo e eu sou assessor de Desenvolvimento Sustentável do senador, que é líder do governo no Senado e foi relator do projeto 1874/2022 enquanto estava no Senado. E, como você mesma disse, foi aprovado em março por aqui. E agora eu falo isso porque na Câmara ele ainda está sem relator. Mas, já indo para a sua pergunta. Hoje a situação do PL, para quem for buscar lá ele dentro da Câmara, vai descobrir que ele é um projeto que vai estar apensado a um outro projeto que não vou me recordar exatamente o número agora, mas eu sei que é da autoria da Jandira Feghali. E esse projeto da Jandira Feghali, ele é um que, por ter um tema tão especial, ensejou a criação de uma comissão especial para debatê-lo. A gente ficou bastante assustado quando a gente viu esse projeto apensado. Num primeiro momento, a gente até imaginou que fosse um protocolar automático, já que eram dois temas similares entre os dois projetos, e não uma decisão política. E, de fato, foi um processo automático, o que nos permitiu conversar com a própria Jandira e pedir para ela o desapensamento. 

Carla: Só para ajudar. Para quem não conhece, não sabe o que é apensado, desapensado. Você pode só explicar? Porque acho que é um termo que nem todo mundo conhece.

Tiago: Dentro do Congresso, nas duas casas, projetos que estão tramitando, eles podem ser juntados, podem ser colados a outros projetos. E o que acontece quando isso se torna realidade? Quando eles são colados, eles vão produzir um novo texto que deve levar, num geral, as características do primeiro texto da casa. Ou seja, se ele estiver tramitando no Senado, vai ser com as características do texto do Senado. Se estiver na Câmara, com as características do texto da Câmara como principal texto – mas também puxando algumas características específicas do texto que foi apensado. 

Por isso que a gente ficou assustado, porque primeiro ia para uma nova comissão e sabe-se lá quando que ela ia apreciar esse tema. E segundo, tinha sido um tema bastante debatido dentro do Senado… E ele entraria como um projeto secundário, digamos assim, nesse texto da Jandira Feghali. Mas em conversa com a própria Jandira, ela entendeu. Obviamente que não se tratam da mesma coisa, apesar de falarem ambos de economia circular, mas têm vieses e objetivos completamente diferentes como projetos, e que tinha sido de fato um processo protocolar. A pessoa responsável na mesa da Câmara viu que eram temas parecidos e apensou automaticamente. E a gente entendeu que isso era possível desfazer. A Jandira deu ok. Falamos com os principais líderes e eles também entenderam que isso não era um problema. Mas ele ainda está ali porque ele só será desapensado oficialmente quando for para votação em plenário na Câmara. 

E a gente já conseguiu passar uma aprovação de urgência. Isso significa que o projeto muito dificilmente não será pautado antes do recesso. Pendente apenas a decisão do presidente da Casa, que no caso é o deputado Arthur Lira, para colocá-la na pauta num dos dias de pauta. Isso é uma boa notícia, porque é um texto que já vinha com amplos acordos feitos dentro do Senado e aqui, entre governo, entre indústria e agronegócio. Mas tinha que levar essa informação para o pessoal da Câmara. 

E hoje os líderes dos principais partidos e também da oposição já estão cientes de que não é um projeto que tenha grandes coisas para ser trabalhado ainda. Então, por isso, ele deve ir a plenário e deve ser aprovado sem qualquer tipo de emenda de plenário. Também deve ser só um rito natural para ser aprovado dentro da Câmara. 

Agora, eu falo isso, já dizendo que essa é uma situação que já acontece há pelo menos de duas a três semanas. Então eu tô aqui ansioso para ver se ele entra ou não… Até segunda ordem ele não entrou. E aí acho que é um momento importante para poder fazer uma pressão em cima do presidente da Câmara. Falar “olha, é um projeto que já está pronto para ser pautado”. E essa pressão pode ser feita de várias maneiras, né? Acho que a mais formal que a gente tem aqui na casa é entrar na página do Arthur Lira na Câmara dos Deputados. Você vai ter um e-mail do deputado – e quanto mais e-mails eles receberem dizendo que esse assunto é importante, mais tem a chance de ele furar ali a parte burocrática de cada gabinete e chegar na relevância do presidente. 

Agora, qualquer outra forma também é válida, né? Redes sociais marcando o próprio presidente, ou qualquer outro tipo de manifestação que o pessoal entenda que seja válido. Acho que tem desde essa mais burocrática clássica, já de muito tempo de Congresso Nacional e também essa… todas as outras formas que a gente conseguir. Acho que a gente não vai ter passeatas com milhares de pessoas na rua. Mas as redes sociais também funcionam bastante aqui na casa.

Histórico do projeto de lei

Léa: Legal. E aí você podia contar para gente um pouquinho o histórico desse projeto de lei? Quem esteve envolvido na elaboração, como que chegou aí até a pauta do senador?

Tiago: O senador assumiu como presidente da Comissão de Meio Ambiente em 2021, ainda no governo Bolsonaro. E no Senado, os mandatos de comissão duram dois anos. Diferente da Câmara, onde duram um ano. 

Então o senador fez uma proposta para a equipe. A gente sabia que era um contexto, que tinham duas vertentes muito claras… Que era uma redução dos espaços democráticos, principalmente aquela reta final do governo Bolsonaro, em que tudo ficava cada vez menos democrático. E também uma pauta ambiental no geral, que era um dos principais alvos do grupo que estava no poder e que estava instalado dentro do Palácio do Planalto naquela época. E a pedida do senador Jaques Wagner era que a gente sabia que ia ter dentro da Comissão de Meio Ambiente dois anos – quase que como uma das últimas barreiras em termos da boiada que era tão falada naquela época, em como que a gente conseguiria segurar isso ou não. Mas também havia no senador uma vontade muito clara de criar uma agenda que fosse propositiva, não apenas ficarmos numa agenda de resistir dentro da casa. E aí, com isso, internamente na equipe, a gente decidiu – obviamente, com a aprovação do senador – fazer o Fórum da Geração Ecológica, que a gente colocou de pé. Um Fórum que era baseado também na própria atuação do senador como coordenador do Conselhão, do presidente Lula, lá nos primeiros dois governos do presidente.

E a gente montou um Fórum da Geração Ecológica, que tinha 43 pessoas da sociedade civil. E que eram 43 pessoas que vinham do que a gente chamava de mosaico da diversidade brasileira. Então a gente tinha representantes de instituições como FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CONIC (Conselho

Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil) . Mas, por outro lado, também tínhamos SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) como instituição. Mesmo professores como Mercedes Bustamante, Ladislau Dowbor, entre outras representações acadêmicas, mas também culturais, como Margareth Menezes, que veio a ser agora a ministra da Cultura. Também pessoal da Via Campesina, APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Centrais Sindicais, centrais religiosas…Enfim, a gente tinha o Observatório do Clima, coletivos de juventude… A gente tinha uma diversidade de fato interessante dentro desse processo. 

E essas 43 pessoas foram subdivididas em cinco GTs diferentes, que eram: um GT de Bioeconomia, outro de Energia, Cidades Sustentáveis, Proteção, Restauração e Uso do Solo e um de Economia Circular e Indústria. Então a gente já nascia com esse GT da economia circular. A definição desses temas também passou por uma sabatina de várias pessoas, em vários níveis. E muito o olhar do que outros países faziam, ou seja, a China com a Civilização Ecológica, a Europa com o Pacto Europeu, os Estados Unidos com o Green New Deal.

Então, com todos eles, a economia circular já era um tema crítico e relevante o suficiente para compor um dos GTs de discussão deste Fórum. Dentro desse processo, a gente se encontrou durante um ano, com cada GT fazendo reuniões pelo menos mensais. Mas à medida que fossem necessárias outras, e debater uma série de iniciativas legislativas com o intuito de construir um arcabouço legislativo para uma transição ecológica dentro do Brasil. Um trabalho que foi tão legal que também serviu de apoio pro que hoje o Governo Federal está chamando de transformação ecológica, liderada pelos Ministério da Fazenda e do MMA, com muitas outras pastas envolvidas no meio desse processo. E aí, dentro desse GT de Economia Circular, a gente tinha algumas representações. Eu não vou lembrar todas, mas a gente tinha a BDE, a gente tinha a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que é a agência de economia para América Latina da ONU, a gente tinha o Observatório do Clima… Mas eu lembro de cabeça a ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento), a Cepal, o Observatório do Clima e, sim, a CNI. Essa era importante estar aqui porque ela foi muito ativa dentro dessa discussão. 

Em um ano, o Fórum como um todo produziu 26 projetos de lei nesses cinco grandes temas. E a principal entrega do GT de Economia Circular foi o PL 1874, que instaurava, instaura – e instaurará – a Política Nacional de Economia Circular.

Acho que esse é um pouquinho do caminho de como esse processo se dá numa…num processo burocrático interno, mas acho que vale a pena estar aqui. 

A gente conseguiu aprovar todos esses 26 projetos de maneira simbólica dentro da CMA (Comissão do Meio Ambiente). Já logo de cara, o que facilitou a tramitação deles – e também a possibilidade do próprio senador ser o relator desses projetos, ou de algum deles. Ele não vai ser de todos, mas de alguns ele continua tendo essa possibilidade, que foi o caso aqui na de Economia Circular. 

Como ele já estava aprovado na Comissão de Meio Ambiente, ele foi despachado pelo presidente Pacheco para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e o senador é integrante dessa comissão. E por isso, fez muito sentido que ele fosse relator. 

Então a gente já estava trabalhando nesse texto há mais de um ano dentro do Fórum, e conseguimos continuar com ele por aqui (no Senado). E aí passamos por processos de negociação muito fortes com a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Aí olhando para impactos específicos dentro da indústria, e com outros grupos de interesse, inclusive o setor do agronegócio… Para conseguir finalmente aprovar em março esse projeto no plenário do Senado. E agora na contagem regressiva para ele poder ser sancionado em breve.

Sobre os oito artigos da Política Nacional de Economia Circular e como se conectam com a estratégia

Carla: Talvez a gente pudesse olhar um pouquinho pro texto em si, né? Como ele está agora pelo menos…Em princípio, o artigo 5 estabelece oito instrumentos dessa Política Nacional de Economia Circular. Vou falar rapidinho aqui, e você pode explicar melhor pra gente. 

1 – O primeiro seria a criação do Fórum Nacional de Economia Circular, que também está na Estratégia*. 

*Isso talvez fosse uma pergunta para a gente fazer na sequência, da relação da Estratégia com a Política. 

2 – Segundo, é a elaboração de planos de ação nacionais e estaduais. 

3 – O terceiro são compras públicas sustentáveis. 

4 – O quarto é o financiamento de pesquisa, desenvolvimento e inovações em tecnologias, processos e novos modelos de negócio destinados à promoção da circularidade. 

5 – O quinto é o direito de reparar. 

6 – O sexto é o incentivo fiscal. 

7 – O sétimo é o mecanismo de transição justa. 

8 – E o oitavo a educação com foco na circularidade. 

Então, se você puder comentar um pouquinho desses instrumentos, como eles em conjunto estão baseando essa transição para a economia circular. 

E tem a Estratégia Nacional de Economia Circular, que foi decretada agora, dia 27 de junho. E que pegou né, uma sinergia, parece. Se você pode comentar essas duas coisas um pouco? Como esses 8 instrumentos estão pensados, e como isso está se conectando com essa Estratégia?

Tiago: Vou começar pelo final… e aí eu chego nos instrumentos depois, com um pouquinho mais de calma neles. 

Vale dizer que muito, como o próprio Lucas Ramalho que estava no evento da semana passada aqui na Esplanada do Lixo Zero, em que a gente pode conversar um pouco mais sobre economia circular. O Lucas, para quem estiver ouvindo, é o diretor de Novas Economias do Ministério da Indústria (MDIC). Especificamente, a diretoria dele estava bastante próxima das nossas negociações, inclusive com a CNI. Num nível assim, de dia a dia mesmo, para que a estratégia fizesse sentido com a lei. A gente tinha vontade de que a lei saísse antes da estratégia. Mas, de qualquer maneira, o que interessa é que eles começam a se basear na estratégia, obviamente com conversas com o governo, com públicos de interesse que eles entenderam que fariam sentido naquele processo, com organizações da sociedade civil. Outros governos que também colocaram as suas estratégias, mas também muito próximos da gente e querendo entender e, obviamente, até fazendo suas próprias sugestões de alteração dentro do texto. 

Então eles foram um dos grupos muito ativos em como ficou essa versão final do projeto aprovado no Senado. E acho que o que mais simboliza isso aqui é a ideia do Fórum aparecer tanto em um quanto no outro. Num primeiro momento, o Fórum não fazia parte da Estratégia Nacional, mas não faria sentido eles decretarem uma Estratégia que não tivesse essa instituição e de governança, sendo que a lei obrigaria eles a fazer a mesma coisa.

Então, no final das contas, acho que esse é um exemplo muito claro de evitar burocracias internas e de um pouquinho mais de eficiência no processo público, conversas muito amplas. Outro deles tem a questão das compras públicas, do próprio financiamento de pesquisa e tecnologia. Eles estavam muito próximos na discussão dos pormenores de como o texto apareceria ali. De maneira geral, acho que são muito interessantes esses instrumentos. Vou trazer alguns que acho que são críticos, e que vão moldar nossa capacidade como país de implementar ou não a estratégia – e a política que vai virar a estratégia. 

1 – Fórum Nacional de Economia Circular (1)

A criação do Fórum, ela é básica, já é um modelo bastante brasileiro nosso, então, também não é uma reinvenção da roda no meio desse processo. Mas ela é crítica para que a gente consiga fazer de um jeito democrático… Tomar as decisões que a gente sabe que vão ser decisões duras para a grande maioria dos setores industriais. Que vai exigir deles processos que tendem a ser onerosos num primeiro momento, e depois com maior produtividade lá na frente – mas que a gente sabe que vai ser uma transição, que vai exigir do setor produtivo um engajamento muito forte. Então a gente queria, já desde cara, estar no lugar onde a sociedade civil pudesse ter uma voz paritária com o governo e paritária com o próprio setor produtivo, para trazer também as suas preocupações de que não seja uma transição daquelas “pra inglês ver”, que vão ficar décadas e décadas e décadas… Ao mesmo tempo que o setor produtivo, principalmente as indústrias, possam se sentir contempladas em passos que elas conseguem dar dentro desse processo, e que não vá deixar ninguém para trás, e que o governo consiga atingir as suas metas. Então, ter essa instância de governança, ela é crítica. 

A gente já está aqui no ponto de que a formulação – ela, a política, já entrou na agenda, já foi formulada. Mas ela vai ter ainda (e aí, entrando já, logo aqui, no segundo ponto, que são os planos de ação), ela vai ter uma etapa muito importante. Ela já não tem mais como voltar atrás a partir do momento que ela virar lei. E principalmente, também a gente já tem um decreto. Então acho que essa é uma coisa muito importante para se comemorar. Esse era um passo muito difícil de ser dado e que dá um pontapé muito importante em como a economia circular pode de fato se tornar algo que permeia a vida dos brasileiros e da economia brasileira.

2- Planos de Economia Circular (2)

Mas o próximo desafio agora, é a construção dos planos. Ele é bastante crítico e vai exigir de todos os participantes ativos um nível de engajamento muito grande. E, obviamente, dentro das suas atribuições, principalmente do governo, um nível de uso do poder necessário para que os planos saiam do papel. Mas a gente conta também com a sociedade civil para conseguir fazer com que isso não vire uma coisa de novo para inglês ver. 

Mas na lei cravado a ideia da construção dos planos deixa imperioso para o Fórum a necessidade de entregar os planos, a periodicidade dos planos, quanto tempo eles vão ter que durar, em quanto tempo cada setor vai ter que apresentar o seu junto com o governo… Isso tudo vem num regulamento logo depois, mas a expectativa é que a gente consiga desenhar para um nível regional, no nível estadual e de maneira deliberada, no municipal, para que a gente não fique com alguma coisa muito Frankenstein, naquele melhor estilo brasileiro, que nada saiu do lugar também. Mas que a gente consiga consertar planos de ação muito específicos, com começo, meio e fim, com entregas muito claras, coerentes para cada setor, que vai construir o seu caminho de transição para esse processo.

Carla: Uma dúvida, Tiago, você falou desses planos que estão na Política. Estão previstos planos nacionais, estaduais e setoriais. E a estratégia também. Então quer dizer, mesmo que a Política não fosse aprovada, agora com a estratégia você já vai ter a criação do Fórum e de um Plano Nacional?

Tiago: Você está no caminho certo. É que o governo não pode virar e falar que todo mundo vai ter que fazer seus planos [estaduais], ele como executivo né? Depois que virar lei… Mas a ideia é que tudo isso esteja casado de fato. E aí tem muito mais de desdobramentos do nosso ordenamento jurídico brasileiro – de que a gente faz política pública através de leis e decretos. Não necessariamente é assim no resto do planeta. 

Isso traz para a gente uma série de garantias, mas ao mesmo tempo, uma série de desafios. Porque a lei já sai com muitos detalhes, e às vezes acaba amarrando muito. Mas acho que, no geral, a Estratégia está muito vinculada nessa ideia de criar os Planos de que o governo federal seja o governo que vai induzir os governos estaduais a também desenharem seus planos estaduais.

Relação entre a Política Nacional de Economia Circular e a Estratégia Nacional de Economia Circular

Léa: Só para ver se eu entendi: a lei é uma forma de empoderar a estratégia. Como se fosse assim, legalizar ela para que de fato ela aconteça?

Tiago: Essa é uma ótima pergunta, e essa resposta ela vai servir para outras leis e decretos. 

Então, acho que o principal ponto aqui é que a lei poderia não existir, se o decreto estiver lá e pronto. O decreto, por si só, já é instrumento jurídico suficiente para colocar de pé qualquer política que seja, desde que ela faça parte da competência do Executivo. 

Quando você tem o Legislativo se manifestando e criando uma lei dentro desse processo, primeiro você transforma isso numa política de Estado, e não de governo. Porque o decreto pode ser revogado com uma canetada simples. Então a lei vem muito mais uma característica de olha: isso aqui é uma decisão do Brasil, da República Federativa do Brasil, no que atribui ao Poder Legislativo de dizer que vamos percorrer este caminho. E o decreto é a ferramenta que vai transformar aquilo na prática, como um todo. Mas hoje, se a gente não tiver lei, vamos supor que amanhã deu tudo errado na Câmara, Arthur Lira decidiu que não faz parte dos projetos dele ali. A gente já consegue tocar com boa parte do que já está aqui via Estratégia Nacional. 

A diferença é que, se vier outro presidente a partir de 2026, com o decreto, ele pode revogar aquilo tudo e falar: não é uma coisa que faz sentido. Mas com a lei, ele vai ter que disputar um processo muito mais longo e árduo dentro do Legislativo para conseguir fazer isso. Então a lei vem para dar muito mais esse caráter de política de Estado, já que já temos a estratégia. Se ela viesse um pouco antes, ela traria a obrigatoriedade do Executivo de criar uma estratégia, que era o que a gente estava imaginando do que ia acontecer: de que a lei sairia um pouco antes e o governo teria que correr para ter que fazer a sua estratégia. 

Carla: Então a política era anterior… O projeto de lei era anterior e a estratégia veio pra dar uma acelerada e garantir que já dá pra começar a fazer, mesmo que a lei demore pra ser aprovada…?

Tiago: No final das contas a gente está só dando uma força muito maior de que é uma política que veio para, de fato, ficar aqui. O que a gente vai poder ter é alteração de decreto. Mas aí, como as coisas estão sendo feitas de maneira muito próxima, nem um novo decreto está muito longe do que a própria lei já tá trazendo aqui.

Tiago: Deixa eu voltar para os instrumentos. Esses dois primeiros aqui são, na minha visão, uma das coisas mais críticas e mais importantes de como a gente imagina que elas vão acontecer. Imagina então que a gente vai colocar no governo federal. E aí é óbvio que tudo no federal você não pode impor os entes dos estados a fazerem a mesma coisa. 

Mas o governo federal, até pela força que tem em nível de recurso em nível de ser, a União, consegue puxar muito dos governos [estaduais] para também acelerar os seus próprios processos. Então, tentando traduzir isso aqui tudo: eu imagino que primeiro com o Fórum e com os planos, a gente consiga de fato começar a materializar o que é a Economia Circular no Brasil – num primeiro nível nacional, mas que vai ser puxado também para vários. Eu começo a imaginar que vários decretos, e isso vai ser muito mais a partir da lei do que do decreto mesmo, estaduais comecem a surgir e, eventualmente, leis locais comecem a surgir também sobre economia circular e fazendo uma mímica do que a gente está vendo aqui no nível nacional federal. 

Então, sem esses dois primeiros, eu acho que a gente não vai ter Economia Circular. Eles são bastante relevantes. 

3 – Instrumentos 3, 4 e 6

Os outros aqui: o Compras Públicas (3), o Financiamento (4) e o Incentivo Fiscal (6), são uma das visões que a gente tinha muito forte, que são o papel do Estado nesse processo. E aqui a gente tem uma clareza – que não é uma clareza nem de uma visão brasileira desse processo. É uma visão já bastante clara, seja num processo comunista chinês ou liberal americano, de que essa grande transição ecológica, cada plano, à sua maneira, depende inerentemente de uma liderança do Estado muito forte para que ela aconteça. Porque ela vai ter que romper com muitas coisas que são o processo que está posto. Eu esqueci a palavra bonita para isso… mas o incremental – hoje a gente consegue fazer mudanças que são apenas incrementais. E essa é a lógica do que está posto. 

Então, se você for depender da iniciativa privada para fazer essas grandes mudanças, elas inerentemente exigem um risco muito grande e que o tomador de decisão privado no seu espaço, que é pequeno quando comparado ao nível federal, dificilmente vai tomar. 

Então, quando a gente fala de compras públicas, financiamento e o incentivo fiscal, a gente está olhando para uma liderança do Estado nessa necessidade de romper com o que está dado e com a relevância de se utilizar os instrumentos de Estado para que a gente consiga diminuir o risco dos atores que estão envolvidos nesse processo. E garantir com que esse rompimento se dê da maneira menos agressiva possível. 

A gente está falando de instrumentos muito clássicos do Estado, que são utilizados de melhor ou pior maneira, dependendo da política. Mas quando a gente traz compras públicas, é potencialmente o mais efetivo desses instrumentos, mas também nem tão simples de ser congregado dentro de uma série de ações políticas que estão sendo construídas. 

Eu quero trazer uma foto específica para financiamento de pesquisa, desenvolvimento de inovação e tecnologias. É que a gente também imagina um Brasil que possa disputar a fronteira tecnológica que inerentemente trará mais capacidade de produção nacional. Então entra naquela ideia da neo industrialização, que é muito falada pelo Ministério da Indústria, mas entra também na ideia de que a economia circular seja um dos pilares de uma industrialização que possa levar a mais empregos de qualidade e renda para os brasileiros. E aí imagino que a gente vai falar um pouquinho mais dali para frente. Mas que também bata com o processo de regeneração da natureza. Então, assim, é tudo bastante audacioso no meio desse processo. 

4 – Mecanismo de Transição Justa (7)

Para não ficar mais muito tempo aqui nos instrumentos, acho que é necessário que a gente fale do mecanismo de transição, que bate com essa visão de estado e do rompimento. Mas que o Estado também possa olhar de maneira muito cuidadosa para como as empresas vão passar por esse processo. 

Nós sempre falamos naquela ideia de que a gente olha para as empresas que estão postas aqui hoje para que elas possam ser líderes ou grandes participantes do mercado quando ele tiver feito a transição para a circularidade. Que não sejam empresas que vão se perder no meio do caminho. E é óbvio que com uma ou outra isso vai acontecer, mas a gente gostaria que o parque que está hoje instalado continue vivo ali para frente. E, principalmente, a capacitação para os trabalhadores. Porque, se quando a gente olha para empresa vai ser algo que vai ser duro para a mesma, quando olhamos para o trabalhador é ainda mais complexo, ainda mais duro dependendo da idade desse trabalhador/trabalhadora. É ainda mais complexo que se aprendam novos conceitos, com que se consiga essa recolocação, ou que ela faça parte da transição mesmo da própria empresa… Que ela possa acompanhar esses novos desafios da empresa dentro desse caminho. Então, aqui coisas como capacitação, e o investimento para isso, também estão colocadas dentro do PL.

Fórum Nacional: formatação, participação e candidatura

Léa: Então deixa eu te perguntar um pouco sobre o Fórum Nacional. A gente ficou bem entusiasmada com essa ideia da criação do fórum, e aí eu queria entender um pouco como é que ele funciona na prática. Como é a formação desse fórum? Como as pessoas podem se candidatar, por exemplo, para participar dele? Ou pessoas que já estão trabalhando com isso há um longo tempo… Como que essas pessoas são escolhidas, né? Podem ser inseridas no fórum, e como que ele vai trabalhar?

Tiago: Eu adoraria ter essa resposta. Eu posso dar uma resposta de práticas que são comuns, mas isso é uma coisa que vai ser respondida em regulamento. Então, até naquela ideia de não amarrar muito em termos de lei, o que a gente garante aqui é a existência dele, de maneira paritária. 

Isso é uma coisa que não vai poder ser alterada por ninguém, não vai poder nem ser fechado, e nem fazermos aquelas coisas que a gente viu acontecer também, de reduzir o número de cadeiras ou colocar cadeiras que só o governo participava. É uma representação da sociedade civil. Então, eu acho que esse é o ganho em termos de lei. Aqui ela fica na pedra como um fórum que vai existir e que aqui não pode ser alterado a não ser que uma nova lei passe.

Agora, no geral, como isso acontece. O governo vai abrir credenciamento, vai fazer pesquisa extensiva para tentar entender representatividade. A gente está falando aí tanto de quem representa o setor, que não é uma decisão fácil. São associações, são grandes empresas, são empresas médias? Como é que cada uma dessas cadeiras do setor produtivo vão ter que ser compostas. É uma lógica muito parecida também para a sociedade civil, e acho que a ideia é sempre buscar uma representatividade que não que não crie vieses de grupo dentro do fórum como um todo. Então é meio que naquela lógica de se eu tenho um participante com tal peso, eu posso ter outro de tal peso que vá pelo menos equilibrar a barra, anular aquele viés dentro desse processo.

Agora, se há uma regulamentação específica de como vai ser, não sei. Isso vai ser um edital provavelmente aberto principalmente para a sociedade civil. É bem possível que seja via edital. E aí talvez valha uma pergunta para o próprio Lucas, que talvez já esteja com isso na cabeça. Porque assim que a lei for sancionada, o Ministério da Indústria deve ficar com a coordenação do Fórum. Isso não está dado, mas é o mais provável. Isso é uma decisão que vai acabar sendo do próprio presidente, mas é muito provável que fique com o Ministério da Indústria. Então, pessoas como o Lucas vão estar muito envolvidas no desenho desses editais como um todo. Mas não consigo te dizer agora exatamente como é que, como é que vai se dar essa participação.

Avaliação de ciclo de vida

Léa: Tiago, a gente queria te perguntar um pouco sobre algumas questões, olhando para a lei, que surgiram do nosso ponto de vista. A primeira é a questão das compras públicas para produtos sustentáveis em licitação. E eles falam de repositório de dados no artigo 16. E a gente quis entender um pouco o que vocês querem dizer com ACV. Então, com essa avaliação de ciclo de vida, como que é? Porque ACV a gente vê como se fosse uma fotografia daquilo, Então ela vai dar uma fotografia, não vai dizer nem se é bom ou se é ruim. Como é que vocês querem trabalhar com essa avaliação de ciclo de vida? Quais são os critérios que vão ser usados para essas escolhas? E como vocês vão pautar essa história? Porque a gente sabe que é uma ferramenta boa, mas também ela é muito complexa, uma complexidade muito grande de dados. 

E eu acho que eu queria juntar com a outra pergunta também. Sobre a questão do ciclo técnico e biológico, que no meu entendimento da história da economia circular… Ele é aquele gráfico borboleta que todo mundo conhece. Então você entende que tem a distinção entre o biológico e o técnico. E eu acho que essa é a grande inovação da economia circular de fato. Eu senti falta de expressarem claramente dentro da indústria essa distinção. E a gente sabe que algumas indústrias não veem como muito positivo colocar como forma clara. Então eu queria perguntar de onde que vem, por que está faltando isso nesta lei? E como vocês vão trabalhar essa história da regeneração do ciclo biológico sem ter o técnico contaminando? É meio que uma crítica mesmo. Esse entendimento e de como isso pode acarretar, na verdade, um pouco do mais do mesmo, né? Então. Então a gente vai reciclar e reciclar perdendo valor. Por que não trouxe isso? E como que vai sanar ao não trazer?

Tiago: Então deixa eu tentar começar pela análise de ciclo de vida. Isso aqui tem um desafio de Estado muito grande, principalmente o artigo 16 o montar um repositório. Se a gente for olhar para países desenvolvidos, eu tive a chance de passar um tempo na China. A compreensão deles do que acontece dentro do próprio país deles em termos de movimentação de materiais é algo inacreditável. E eu sei que na Alemanha tem um processo importante desse também. É muito difícil que a gente consiga fazer uma transição para uma economia circular sem ter a visão dos dados de onde está saindo, para onde está indo, o que está acontecendo e tudo mais. Você tem setores – você tem mais setores, você tem menos. Mas, no geral, nós, como país, estamos muito atrás de como tudo isso é processado dentro do país. Retirado, processado e depois destinado. 

Então, acho que o primeiro ponto era colocar uma obrigatoriedade em lei com que o país tivesse que desenvolver um repositório em um processo desses. Num nível muito pessoal, eu acho que esse é um desafio real para o Ministério de Ciência e Tecnologia, e que é algo que a gente pode passar muitos anos sem ter de fato. Mas se não tivermos, é uma ferramenta que necessariamente vai se fazer falta para conseguir, como governo, fiscalizar como os planos de ação estão se dando em cada setor colocado. A gente vai ficar pendente de uma série de verificações. 

A posteriori é que a gente sabe, por processo inerente de oneração. Aquele gráfico de quanto mais você aumenta o imposto, você tem a curva de Laffer, você tem o imposto perfeito, né? Que até um nível você arrecade o máximo possível. Passando desse nível, você começa a ter mais sonegação e se você tiver muito baixo, arrecada muito pouco. A gente precisa. Se a gente deixar só para verificação a posteriori, ela se encaixaria no que arrecada muito pouco e é muito fácil com que as empresas consigam fugir desse processo. Eu fico muito mais impactado com que a gente está começando a construir para mercado de carbono, que também é mais fácil do que dados de materiais processados, mas que pode ser um caminho para essa construção de capacidade estatal mesmo dentro do país. 

A ACV foram brigas enormes aqui dentro para ver se fazia algum sentido colocá-la. E no geral, o ciclo de vida ainda é o ciclo mercadológico e de produção que faz mais sentido para analisar o produto como um todo. E aí, por isso, pensando em um depositório brasileiro, ele se tornava uma metodologia que faria sentido. Agora também de quem vive dentro do Senado Federal: esse é o tipo de coisa que cara, daqui cinco ou seis anos tá dando muito problema, vai vir um “projetinho” de lei com uma emenda que vai mudar um negócio aqui específico. 

Mas aqui tem muito das negociações com a indústria e tem muito desse desafio estatal dentro desse processo. Mesmo sendo imposto em lei, a gente sabe que não necessariamente isso significa a construção dessa capacidade, mas também com um dos instrumentos que mais fariam sentido pra gente conseguir analisar esses dados. 

Ciclo técnico e ciclo biológico

A segunda pergunta. Tentando ser o mais transparente possível, acho que aqui tem um processo de quem não é da sociedade civil e não está mergulhado nesses conceitos especificamente. Então, acho que é comum sair com não exatamente essa visão que vocês estavam dando lá. E que a própria Fundação Ellen MacArthur, que estava muito próxima dessas discussões, também traz de maneira muito clara. Mas, por um outro lado, a gente entendeu que o ciclo biológico estava posto dentro do projeto e nas definições dos conceitos eles trazem… A gente passou muito tempo nas definições e elas parecem bestas ali. As definições, elas são críticas porque são elas que vão dar a trilha do que a regulamentação do Executivo tem que seguir. Então, se você for olhando dentro das definições de design circular – está como desenho circular na lei – e do que é a própria economia circular, elas falam sempre em regeneração, reuso e tudo mais. 

A gente vai falar sobre biodiversidade. Era um dos últimos artigos. Eu acho que aqui o artigo 19, parágrafo um “o Poder Público fomentará programas de colaboração entre fabricantes e produtores a fim de promover a utilização e aplicação de métodos regenerativos”. Parágrafo Segundo “A promoção da Economia Circular deve levar em conta a colaboração com as comunidades tradicionais, tendo em vista a preservação da biodiversidade”. E o próprio artigo 19 traz que “produtores fabricantes devem priorizar no desenho de seus produtos o uso da fonte de matérias primas que apliquem métodos de produção regenerativos, com apresentação de resultados positivos para a biodiversidade e para a redução das emissões de gás carbônico”. 

Isso não é necessariamente o que vocês falam do ciclo biológico, mas de várias maneiras compõem etapas do ciclo biológico dentro desses cenários. Acho que um primeiro ponto é ter essa ideia de que a gente não estava só olhando para o ciclo técnico dentro do desenho da lei. A gente nem falava de ciclo técnico e ciclo biológico. Eu tenho uma ideia, apesar de que nas discussões eles ficavam nítidos mesmo, do que a gente queria e do que a gente não queria. E é óbvio que, dentro das discussões com a indústria, esses artigos que têm biodiversidade, métodos regenerativos, foram artigos de uma complexidade muito maior para discutir do que os outros que já faziam parte de uma coisa que a indústria via com uma clareza muito grande. Quando você fala de métodos regenerativos com matérias primas, o que que isso significa? 

Mas para a gente era uma coisa importante, porque você não vai fazer nada de desenho circular se você já não tiver, num primeiro passo, olhando para uma matéria prima que seja uma matéria prima com essa capacidade regenerativa. Como também se você já não tiver pensando desde o primeiro ponto que aquilo ali vai ter que fazer parte do que vocês chamam de ciclo biológico. Então, sendo assim, muito transparente, poderia ter aparecido o ciclo biológico. Acabou não surgindo o termo. Mas eu não sinto que ele está completamente esquecido. Com certeza vocês que são especialistas, muito mais do que eu aqui no assunto, vão poder apontar: isso aqui, tá, aquilo ali, não tá. E eu vou falar “putz, não tá mesmo”. Mas acho que a gente tem um projeto de lei que é robusto e aberto o suficiente para que a gente possa cobrar dos executivos um nível de criticidade muito maior dentro desse processo. Imaginando que, se não vocês, mas que outra representação com uma qualidade grande esteja presente dentro do fórum. É muito papel de quem é muito especialista nesse processo também, de fazer esse tensionamento. E acho que em termos de lei, vocês vão estar respaldados para fazer esse tensionamento. Mas faz sentido perceber que ele, de uma certa maneira, está posto ali.

Léa: Com certeza. A gente percebe que teve uma preocupação em olhar para o ciclo biológico. O que me fez sentir falta foi, de forma clara, justamente na definição, porque para mim, a definição de economia circular está muito vinculada a essa questão dos ciclos, né? Mas com certeza acho que falar de regeneração, de biodiversidade eu acho que vem ao encontro. Não é porque eu acho que acaba perdendo a chance de priorizar, por exemplo, inovação em materiais do ciclo biológico. Então, por exemplo, couro feito com casca de abacaxi, entende? Uma inovação no setor industrial para novos materiais provindos desse ciclo biológico ou mesmo para áreas urbanas que já estão trabalhando em fechar o ciclo de alimentos. Então é agricultura urbana com a compostagem… Isso também faz parte, de uma forma mais ampla, de pensar a economia circular. E aí eu entendi que a lei, ela tem um foco mais para a indústria e acabou indo para esse setor da indústria técnica, desse ciclo técnico. Então foi isso um pouco do que eu senti falta aí no processo. Mas eles têm essa visão de regeneração de sistemas, biodiversidade que é essencial também.

Incentivos fiscais para reparo e reciclagem

Léa: Também falando sobre a questão dos incentivos fiscais…  Em diversos países da Europa e mesmo na União Europeia, serviços como reparo, manutenção e remanufatura recebem incentivo fiscal. Mesmo com redução, isenção, já que eles ajudam nessa ideia de que o valor daquele material, daquele produto, vai ser mantido em circulação. Como você vê que a Política Nacional de Economia Circular vai apoiar nesse sentido? A elaboração de alguns dispositivos de redução fiscal nesses ciclos internos da economia circular. 

E aí, já vinculando a segunda pergunta, que é a questão da reciclagem, que a gente vê que uma dificuldade prática aí nos processos de reciclagem é a tal da dupla tributação. Então você paga imposto na hora que você faz o plástico pela primeira vez e depois você paga imposto de novo quando você recicla aquele material. E aí, como é que a PL contempla essas questões? Ou como ela propõe formas de sanar esses processos?

Tiago: São boas perguntas. São perguntas difíceis por alguns temas assim que a gente acaba nem aprofundando tanto ou nem conseguindo aprofundar tanto por questões políticas mesmo. Mas acho que na questão da bitributação, ela é um clássico da reciclagem. Ela é um mega gargalo. 

O PL não traz essa clareza de como resolver esse processo. Mas a gente está imaginando potenciais isenções também para isso. Mas não tem isso explícito. A gente não colocou isso no texto porque a gente não tem nem a clareza de como essas cadeias vão se dar no meio desse processo. E agora já tô pensando alto aqui contigo. Talvez tivéssemos que ter pensado em mecanismos de transição para incentivo mais claros versus talvez o que esse capítulo de incentivos traga de maneira mais clara que é “poxa, eu já tenho esses planos, eles já estão feitos, eu quero disputar as tecnologias, eu quero disputar e muito”. A gente foi muito mais por esse caminho, de como é que a gente consegue disputar essas fronteiras do que de olhar para potencial bitributação e até entender como que ela se dava no meio desse processo todo. 

Então, eu sou muito sincero, eu não sei te responder como é que vai ser a questão de tributação. É bem possível que a gente tenha que reavaliar agora até com o próprio IVA. Qual é o momento em que o IVA se dá no meio da cadeia como um todo? Mas acho que é uma discussão que está em aberto. E ela vai ser crítica, e vai ser muito difícil de ser feita quando ela chegar. 

A lógica por trás do capítulo de financiamento era uma lógica de viabilizar a capacidade das empresas conseguirem se tornar circulares, disputando novas tecnologias. Então, acho que ela tem esse input muito rápido e que talvez venha até de uma lógica mais desenvolvimentista. Se a gente não produzir essas tecnologias, a gente vai acabar sendo importador delas no meio desse processo inteiro. E a gente entende que a gente perde toda a nossa chance de gerar melhores empregos e de, de fato, conseguir aumentar a produção nacional de maneira crítica aqui. A gente pode até chegar na circularidade, mas não por tecnologia brasileira. Acho que é um capítulo que tem essa, essa visão mais de uma intenção, de um tipo de desenvolvimento específico do que as questões que você acabou de abordar ali dentro. 

Agora, eu acho um tópico muito importante e que acho que é uma coisa que a gente pode fazer uma discussão aqui dentro. Portas abertas para a gente sentar e tentar debater com mais calma esses dois pontos, principalmente o da bitributação, para poder levar isso seja para o governo, ou até num projeto de lei que seja vinculado a ele. 

Ah, esse aqui acho que vale até um ponto aqui. Sobre o que eu imagino nos próximos processos de economia circular dentro do Congresso Nacional. Eu imagino não muitas disputas do que é a política como um todo. Mas eu imagino que a pauta da economia circular ganhe uma força dentro dos pormenores. Então a gente vai poder provavelmente debater a análise do ciclo de vida, que foi uma coisa que vocês trouxeram aqui. 

Já a questão da bitributação é uma que vai bater uma hora ou outra dentro desse processo. São coisas muito específicas de setores que são críticos. Principalmente aqueles que têm um apelo muito grande, como o do plástico. São críticos para a população também, que é muito a base de como o Legislativo se move. Então, eu acho muito factível que temas como esse, a partir da criação de uma Política, sejam debatidos em separado mesmo, mas que venham para ir balizando e venham para ir melhorando a nossa capacidade de implementação.

Léa: Só queria dizer assim, que às vezes a gente trouxe as coisas que a gente sentiu falta. Mas na real, a gente está aqui torcendo para que dê tudo certo. E a gente entende que essa transição para economia circular é muito complexa, é muito complicada. Depende de N fatores. Então assim, de alguma forma tem que dar o primeiro passo. Então acho que é super importante o trabalho de vocês de dar esse primeiro passo também de uma forma bem avançada. E só reiterar isso que a gente trouxe aí um olhar assim do que tá faltando, mas ao mesmo tempo, acho que a ideia mesmo de trazer você aqui até para debater é de parabenizar mesmo pela iniciativa e por todo esse estudo que vocês estão trazendo. 

Carla: É uma política que a gente ficou feliz de ler… Que ela tem um entendimento bacana assim, traz esse olhar do potencial disso, que não é só de gestão de resíduos, que é da indústria. Eu acho que tem esse olhar, e que é muito bem vindo. A gente está super feliz, super torcendo por isso. E a gente quer fazer esse movimento mesmo, para que ela seja aprovada e que a gente possa passar essas outras discussões pra frente.

Tiago: Mas é legal que estão falando, de verdade. Mas no fim é isso. A gente já sabe desde cara que tem muitas coisas para serem melhoradas nesse processo. E política pública é isso. O mundo hoje é esse. Daqui a dez anos vai ser outro, completamente diferente. Então, essas são disputas que são interessantes. Hoje, a gente precisa começá-las. É isso. 

Léa: Obrigada, Tiago. Esse foi o Tiago Amaral Ciarallo. Muito obrigada pelas suas considerações e pelo tempo aqui que você passou com a gente para explicar esse projeto de lei de economia circular. A gente está muito contente. Depois de tanto tempo aguardando esse movimento do governo federal, finalmente chegou. Então, parabenizo o Tiago pelo trabalho. Parabenizo também o senador Jaques Wagner, e seguimos em frente. Também estamos à disposição para o que precisar, e seguimos em frente para acelerar essa transição para economia circular. 

Tiago: Legal gente! Contem comigo! Foi um prazer participar aqui com vocês. Espero vocês no gabinete aqui para tomar um café. Tchau, tchau, gente!

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