Alguns dias atrás uma nutricionista me contou que o ser humano consome em média 22 toneladas de comida durante a sua vida toda. Esse dado me espantou, pois além da questão das necessidades reais das quais precisamos para satisfazer nossas funções vitais, existe uma preocupação alarmante que é a capacidade de produção do nosso sistema atual.
Frente a nosso contexto demográfico e ambiental surge a importante demanda alimentar de nossa população (9 bilhões em 2050), enquanto a superfície agrícola disponível tende a se reduzir por conta dessa mesma lógica de pressão demográfica.
Como alimentar um mundo em grande parte urbanizado, preservando a qualidade de vida, a segurança, o meio ambiente e a biodiversidade?
O uso massivo de pesticidas, a poluição da água e da atmosfera, a alta produtividade mecanizada e as emissões de gases de efeito estufa (dos quais a agricultura convencional representa 20%) tornam prioritário pensar sobre o modelo de desenvolvimento da agricultura integrado ao nosso contexto urbano frente aos requisitos de gestão dos nossos recursos, para criar uma cadeia alimentar virtuosa de proteção da natureza, do nosso solo e dos recursos hídricos.
A economia circular, inspirando-se nos ecossistemas naturais, tornou-se uma nova abordagem econômica de reconstrução produtiva para conciliar economia e desenvolvimento sustentável.
Portanto, o desafio dessa abordagem é oferecer uma estrutura coerente de soluções para maximizar o uso dos recursos de um território, respeitando o equilíbrio entre as atividades humanas e a biosfera.
Como isso se traduz na prática?
Uma série de iniciativas inspiradas nessa dinâmica circular de agricultura urbana, como a aquaponia, têm surgido pelo mundo e especificamente no Brasil.
A aquaponia é considerada por muitos o sistema de cultivo ideal para as regiões urbanas e periféricas, sendo que a produção pode acontecer tanto no telhado de um prédio como em terrenos baldios, e principalmente em regiões urbanas e periurbanas.
Mas o que é a aquaponia?
Trata-se de um sistema de cultivo inteligente, fruto da combinação de um aquário e de uma estufa: os peixes são criados em tanques, enquanto as plantas são cultivadas fora do solo, quer dizer, sem terra, e as raízes mergulham em vasos de água.
O excremento produzido pelos peixes, rico em nutrientes, é encaminhado até os vasos de água contendo as raízes dos vegetais, permitindo filtrar a água que, por sua vez, será reenviada para o tanque de peixes, criando dessa forma um círculo virtuoso.
Alguns dados poderão ajudar a entender melhor o potencial desse sistema: o rendimento de uma instalação é de 3 a 4 vezes superior à agricultura clássica. Para dar um exemplo mais concreto da produtividade, numa área de 1000m2 são produzidos em média 4 toneladas de peixe para 25 toneladas de vegetais por ano.
Princípio: economia de água, sem produtos químicos e sem desperdício
Esse sistema astucioso permite realizar uma importante economia de água: até 90% em relação à agricultura convencional; mas não é só: a aquaponia permite também alcançar uma produção mais natural e respeitosa do meio ambiente, evitando a utilização de recursos químicos, pesticidas e antibióticos ao longo de todo o processo.
Dessa forma criamos um sistema autossuficiente, em que a aquaponia se inscreve numa abordagem circular: a utilização de excedentes (aqui os excrementos dos peixes), que tornam-se nesse ecossistema um fertilizante para as plantas, e não resíduos que devem ser eliminados.
Provavelmente não alcançaremos a autossuficiência alimentar apenas com a agricultura urbana, mas ela nos permite aplicar círculos virtuosos da economia circular através de uma otimização de recursos adaptada ao contexto urbano.
Faz-se necessário enxergar o exemplo da aquaponia como uma das iniciativas de cultivo promissoras: se todos os componentes do nosso sistema alimentício, desde a produção até a distribuição e o consumo, entrarem numa dinâmica cíclica, conseguiremos nos alimentar com saúde e abundância em todos os sentidos, cultivando o respeito à natureza e ao ser humano.
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Sobre a autora: Alexa Gaspar é francesa e mora no Brasil desde 2008. É economista e administradora de empresas, mestre em empreendedorismo social e especialista em Economia Circular e agro-ecologia.
Idealizadora do Projeto Solo, o qual tem o objetivo de transformar os grandes centros urbanos em cidades comestíveis por meio da instalação de parques comestíveis e hortas produtivas.
Autoria: Alexa Gaspar