Há algumas semanas eu estive no MIT para participar da conferência do Solve, um programa que incentiva soluções para grandes desafios globais para lidar com a grave crise ambiental que estamos passando. A conferência trouxe uma gama de palestrantes (vale a pena dizer que fiquei entusiasmada de ver uma maioria de palestrantes-mulheres-líderes em todas as sessões) para discutir os temas de todos os desafios. Falamos sobre tecnologia, sustentabilidade, empreendedorismo, trabalho e, mais do isso, e transpassando tudo isso, falamos sobre o futuro.
Discutimos sobre a extinção iminente de mais de um milhão de espécies, a acidificação dos oceanos que está se acelerando, assim como o derretimento dos pólos. Wendy Schmidt, presidente da Schmidt Family Foundation, disse: “Estamos correndo contra o tempo”. E estamos muito atrasados. No Brasil e no mundo, não só não estamos alcançando as metas pretendidas, como estamos aumentando ainda mais o nível de emissões.
Será distopia?
O relatório científico do IPCC analisa as perspectivas de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação ao período pré-industrial e ressalta a necessidade crítica de uma ação climática urgente. Se as temperaturas aumentarem mais de 2°C, vamos chegar num ponto de inflexão que atinge consequências devastadoras, incluindo a perda de habitats naturais e de espécies, a diminuição de calotas polares e o aumento do nível do mar – impactando não só o crescimento econômico, mas também a nossa saúde, nossos meios de subsistência e nossa segurança.
Os jovens, assustados com a possibilidade desse futuro sombrio, e mobilizados por Greta Thumberg e outras líderes mundo afora, estão nas ruas em protesto ao descaso dos mais velhos com relação à crise ambiental global, com o futuro do planeta e da geração deles, que tem não apenas a qualidade de vida, como também a segurança ameaçadas.
Greve global climática
Alexandria Ocasio-Cortez, uma jovem congressista norte-americana, propôs nos EUA o Green New Deal, uma política que engloba ao mesmo tempo o combate à desigualdade social e o enfrentamento às mudanças climáticas. O programa não contém detalhes de políticas e nem defende formas específicas de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Por isso, ainda é criticado por alguns ambientalistas. Mas numa pincelada ampla, pretende tornar os EUA neutros em emissões de carbono em 10 anos.
O Green New Deal aliás reconhece que a transição exigiria grandes mudanças. Ele endossa formas de assegurar que populações vulneráveis – incluindo os mais pobres, pretos, populações indígenas e comunidades que já enfrentam degradação ambiental – participem do processo de planejamento e se beneficiem dessa nova economia.
Naomi Klein, Bill McKibben e outras dezenas de intelectuais, entre eles a escritora de “O Conto de Aia”, Margaret Atwood, e o filósofo Noam Chomski, lançaram um texto convidando todos para uma ação global sobre a crise ambiental que, segundo eles, “é a maior ameaça existencial que todos nós enfrentamos”. Os autores afirmam que será uma greve climática de um dia – marcada para o próximo 20 de setembro – mas que esta não será a última.
“Este será o começo de uma ação em todo o mundo. E esperamos fazer disso um ponto de virada na história”.
E o Brasil?
No Brasil, esse movimento global ainda repercute pouco, e está muito aquém da crise ambiental que estamos sofrendo. O pensamento ecológico parece ser considerado algo secundário pela maioria dos governantes, legisladores e também ativistas. É urgente que o pensamento político, tanto de esquerda quanto de direita, repense a estratégia ambiental do Brasil. Não podemos aceitar a direção contrária daquela que todo o mundo vem reconhecendo como necessária. Além disso, não podemos esperar nenhum tipo de progresso se não conseguirmos vencer a crise ambiental.
Só temos 11 anos
A carta assinada por todos os ex-ministros do meio-ambiente vivos desde a criação da pasta – lê-se ex-ministros de diferentes visões e ideologias: dos governos Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer – reflete esta urgência e esta angústia. Ao afirmarem que o atual ministro está desenvolvendo uma “política sistemática, constante e deliberada de destruição das políticas meio ambientais”, fica claro que há um desmonte das políticas em formação e consolidadas e, como consequência, vemos um agravamento acelerado do desmatamento e de níveis de emissão de poluição no país. E esse retrocesso tem custos, inclusive econômicos, que já foram estimados em até 5 trilhões de dólares.
A reunião e a carta tiveram uma repercussão na mídia, nas redes sociais e nos protestos muito aquém da gravidade do assunto. Se pararmos pra pensar, outras discussões que estão em pauta, e que também abarcam o nosso futuro, como a da reforma da previdência, por exemplo, perdem o sentido se olharmos a partir da crise climática. De acordo com o relatório do IPCC que citei acima, nós temos cerca de 11 anos para tomar atitudes drásticas e reverter os piores impactos do aquecimento global. Apesar de eu me esforçar para manter meu otimismo usual, eu lamento concluir que, se não trabalharmos duro, de forma madura e coletiva para enfrentar essa condição, muitos de nós não chegarão à sua previdência.
A crise ambiental é também social. E inclui todos.
Os nossos recursos naturais têm muito valor e são estratégicos para a qualidade de vida. No contexto da realidade brasileira e latino-americana, eles também criam uma tensão ainda maior entre as diferentes classes sociais. Por exemplo, durante períodos de secas, que vêm acontecendo frequentemente nas grandes cidades, a água acaba primeiro nas casas das periferias. E o mesmo acontece no período de chuvas, quando os maiores desastres decorridos de enchentes acontecem nas regiões mais pobres e com menos infraestrutura.
Além disso, a crise ambiental também é vinculada a questões de saúde pública. A falta de saneamento básico nos bairros mais vulneráveis causa um maior número de doenças atreladas à salubridade. E sabemos também que a comida mais barata e acessível aos mais pobres é a que tem mais veneno. Notadamente, a crise ambiental gera mais desigualdades. E, num país tão desigual como o Brasil, ela tende a intensificar ainda mais a crise social.
Apesar de atingir os mais pobres com maior intensidade, a crise ambiental inclui todas as esferas da sociedade. A água, por exemplo, também está se esgotando nos bairros nobres; as pessoas com melhores condições financeiras também não podem mais usar os rios – para nadar, beber da sua água, navegar, pescar -, que estão poluídos pela falta de saneamento e emissão de agrotóxicos. Os solos das grandes fazendas estão ficando mais esgotados, em um modelo agrícola linear extremamente predatório. E todos os brasileiros – todos – estão sendo intoxicados com a comida e água que estão colocando nas nossas mesas.
Agrotóxicos na nossa comida
Por meio de uma política de liberação desenfreada de agrotóxicos e do mesmo modo sem o cuidado com a saúde de pessoas e meio ambiente, 197 tipos deste produto já foram liberados pelo Ministério da Agricultura desde o início do ano. Destes, dezenas são proibidos em outros países, por estarem notoriamente associados a casos de câncer e mutações genéticas. Cerca de um terço deles são proibidos na Europa e Estados Unidos – de onde, ironicamente, são importados.
Essa quantidade de agrotóxicos na agricultura, por conseqüência, circula para a nossa comida e água, que estão contaminadas. De acordo com uma pesquisa sobre a qualidade da água no Brasil, foram encontrados 27 tipos de agrotóxicos na água de uma em cada quatro cidades brasileiras. Na cidade de São Paulo, todas as substâncias foram encontradas e 11 estão associadas à doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos.
O jornal francês Le Monde descreve a situação dizendo que o nosso “tempero preferido são os pesticidas”, já que somos os maiores consumidores mundiais destes produtos.
20 campos de futebol por hora
O quadro do desmatamento é da mesma forma alarmante. Com uma tendência de queda por alguns anos no Brasil, houve uma inflexão em 2016, quando esse índice aumentou em 58%. Em seguida, já nas duas primeiras semanas de maio de 2019, a área desmatada soma mais da metade de tudo que foi derrubado nos nove meses anteriores. A cada hora, a Amazônia perde uma área verde do tamanho de 20 campos de futebol. Em resumo, esse tem sido o ritmo da devastação das florestas, e ele tende a aumentar com a política de arrocho ambiental do atual governo federal.
Não apenas temos perdas locais de biodiversidade, erosão do solo, redução de fontes de água e perda da subsistência de populações locais, como também o modelo atual está gerando consequências nas nossas cidades, onde as condições climáticas estão cada vez mais intensas, com verões mais quentes, enchentes, além da poluição das águas, ar e solo.
Momento de transição
E, enquanto lutamos por uma política ambiental positiva, temos que pensar como iremos conviver com essa crise que já chegou. Temos que preparar as nossas cidades para que se tornem resilientes. Já sabemos que nos próximos anos vamos ter enchentes e secas, e que o nível do mar vai subir. Temos que pensar em outros modos de transporte, que não poluam, e em novas formas de produzir energia, de fontes renováveis e que, além disso, respeitem as populações locais. É importante reduzir a quantidade de agrotóxicos em nossos alimentos. É sobre a nossa saúde. E temos que parar agora com o desmatamento de áreas protegidas. Para que nós e nossos filhos e filhas possamos aproveitar os nossos rios, as nossas praias, o nosso mato.
No mesmo evento que mencionei no MIT, Marina Gorbis , uma estudiosa do futuro, disse que devemos comparar o processo de transição da crise climática com o fim da escravidão. No sentido que, durante o período colonial, a economia era baseada num sistema escravocrata, da mesma forma que a nossa economia hoje está pautada num sistema de produção linear, extrativista e poluidor. A transição para um sistema livre da escravidão foi complexa, mas a partir do momento em que se atinge um patamar ético, não há espaço para retrocessos.
O futuro é circular
Nesse Dia do Meio Ambiente – e também em todos os próximos dias do ano – sugiro que a gente reflita no esforço que temos que fazer para atingir esse patamar. Temos que agir rápido e certeiros para uma nova forma de criar as nossas coisas e lidar com o planeta, como parte que somos dele. Soluções existem; e temos que praticá-las com maior intensidade. Uma das alternativas de transformação desse modelo linear vigente é a economia circular, que, movida com o redesenho dos nossos sistemas, produtos e materiais do berço ao berço (Cradle to Cradle), tem se mostrado como uma visão efetiva para garantir novos ciclos contínuos de prosperidade. Não é sobre altruísmo ou ideologias; afinal, estamos falando sobre o nosso próprio futuro, e sobre o futuro das nossas crianças.
texto escrito por: Léa Gejer